Geadas intensas, interrupção no fornecimento de insumos por causa da guerra no Leste Europeu e os consequentes aumentos dos custos para a produção fizeram do ano de 2022 um “outlier” para o setor cafeeiro, desde antes até depois da porteira.
Essa é uma das conclusões a que chegaram representantes das várias entidades representativas da cadeia produtiva e comercial do café que receberam na segunda-feira (5), a reportagem para uma conversa exclusiva em que detalharam o estudo “Agronegócio do Café – Produção, Transformação e Oportunidades” feito pelo Departamento de Agronegócio (Deagro) da Federação da Indústria do Estado de São Paulo (Fiesp).
Estes eventos, segundo o superintendente de Deagro/Fiesp, Antônio Carlos Costa, acabaram por estreitar ainda mais as margens do setor que, historicamente, já são apertadas.
“O ano de 2022 foi um outlier [ponto fora da curva] para o setor. Em algumas regiões [produtoras] ocorreram três geadas seguidas”, destacou Costa, acrescentando que os preços dos insumos agrícolas, que representam mais de um terço da custo do produtor subiram sensivelmente em decorrência da redução do fornecimento de fertilizantes e defensivos ocasionada pela guerra entre Rússia e Ucrânia.
As perspectivas para o próximo ano, ainda dependentes de confirmação, são alvissareiras porque as chuvas já se mostram mais regulares nas regiões de lavouras e as plantas já responderam com uma boa florada aos índices pluviométricos.
Todavia, ainda é cedo para se falar em queda de preços na ponta do consumidor mesmo com as boas notícias vindas do campo e a queda dos preços da commodity no mercado internacional. É o que defendeu durante o encontro o diretor-executivo da Associação Brasileira da Indústria de Café (Abic), Celírio Inácio.
Essa questão envolve ao mesmo tempo as margens do produtor e os preços nas gôndolas dos supermercados. Primeiro, de acordo com Inácio, é preciso ter em mente que há diferença entre preço de bolha e preço recebido pelo produtor. “Esse café [que será colhido em 2023] já foi negociado”, disse Inácio ressaltando que o preço que a indústria recebe não é o mesmo que o produtor recebeu ou está recebendo. Segundo é que antes de a indústria repassar queda de preços é preciso ver antes se a expectativa de aumento da safra vai mesmo se confirmar.
“Aguardamos a posição da Conab [Companhia Nacional de Abastecimento] sobre a safra do ano que vem. Mas tem muita coisa para acontecer até a próxima safra e 2022 foi um ano de aumento de custos para a indústria. Tivemos pressão de custos em até 150% e só repassamos 50% destes aumentos”, posicionou-se Inácio.
Desafios
O setor tem listado alguns desafios a serem enfrentados já a partir do próximo ano. Um deles reside na pauta de exportação e tem relação com a necessidade de se agregar mais valor ao produto. Isso porque o Brasil, maior produtor e exportador do grão no mundo, continua embarcando 60% de café verde. Ai entra na pauta outro desafio, que é o de atuar junto ao fisco para redução das médias tarifárias aplicadas nas exportações do café torrado e moído e do café solúvel.
As tarifas são também restrições às exportações de valores adicionados do setor. Ou seja, o tributo para importação de café de outras origens e qualidades diversas para serem exportados com adição de valores é muito alto no Brasil.
Segundo os participantes, isso não ocorre em países que não tem um pé de café plantado, como Alemanha e Suiça, por exemplo, e que têm marcas de cafés sofisticadas e mundialmente conhecidas pelo seu alto índice de valor agregado.
O diretor Técnico do Conselho dos Exportadores de Café do Brasil (Cecafé), Eduardo Heron Santos, pontuou como absurdo o fato de a maior indústria de café solúvel do planeta ter a sede no México, país que apesar de ser um grande produtor de café é dono de um baixo consumo da bebida. “Temos o segundo maior mercado mundial de café, temos um consumo grande, mas precisamos dar maior competitividade à indústria”, defendeu.
O setor tem também como meta ajudar a Conab a reforçar seu quadro de suprimento de café. De acordo com o diretor do Deagro/Fiesp, o setor confia na Conab, mas enxerga espaço para melhorar a base de dados.
“Tem todo um espaço para melhorar a base de dados da Conab. Tem gente lá que entende muito de estatística, mas é preciso que eles tenham orçamento. Isso passa pela questão orçamentária, de pessoal e tecnologia. O desejo aqui é reforçar a Conab como um grande provedor de estatísticas para o setor”, disse Costa.
Acesso a 149 mercados
Dados da Secretaria de Comércio Exterior (Secex) usados em estudo do Departamento de Agronegócio da Fiesp, atestam que o café brasileiro acessou 149 mercados em todo o mundo em 2021.
De acordo com o levantamento do Conselho dos Exportadores de Café do Brasil (Cecafé), as exportações acumuladas de janeiro a outubro de 2022 foram 57% superiores à receita de idêntico período de 2021, saindo de US$ 4,8 bilhões para US$ 7,6 bilhões.
O volume caiu 4%, de 33,5 milhões de sacas para 32,3 milhões de sacas de 60 quilos. Mas os preços foram 63% maiores no período.
As exportações representam cerca de 60% do volume da oferta agregada. O café verde em grão responde por mais de 90% do valor e volume exportado. “O Brasil detém a liderança global nas exportações de café verde e é o segundo maior exportador de café solúvel do mundo”, mostra o estudo.
Essa posição destacada do setor cafeeiro brasileiro no mundo tem em sua raiz a importante transformação pela qual passou nos últimos anos, com investimentos em melhores técnicas de manejo e cultivo, melhoramento genético e na infraestrutura das propriedades. Esse movimento teve reflexos positivos na atividade na última década.
Houve queda de 12,3% na área em produção de café no Brasil, saindo de 2,10 milhões de hectares para 1,84 milhão de hectares. Mas esse recuo na área foi compensado pelo aumento do número de árvores de café, que passou de 6,41 bilhões de árvores para 7,19 bilhões, incremento de 12,1%. Paralelamente, houve crescimento médio de 42,5% na produtividade (sacas por hectare) e de 19,8% no adensamento do número de árvores por hectare.
O Estado de Minas Gerais detém a liderança absoluta nos principais indicadores do segmento, com 55% da produção. São Paulo ocupa a terceira posição em termos de área plantada, pés de café e produção agrícola (10,9%), ficando atrás do Espírito Santo, com 21,8%.
Fonte: Estadao
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