A sucessão familiar rural é um tema de extrema importância quando se trata da continuidade dos negócios no campo.
Ao passar das gerações, a transição de propriedades rurais e empresas agrícolas para os herdeiros torna-se um desafio complexo, com diversos obstáculos a serem superados.
No entanto, é fundamental enfrentar essas dificuldades de maneira eficiente, a fim de garantir a sustentabilidade e a prosperidade do empreendimento familiar no longo prazo.
Neste artigo, vamos explorar os principais desafios envolvidos na sucessão familiar rural e abordamos algumas soluções práticas e estratégias que podem ajudar na continuidade do negócio.
Importância da agricultura familiar e da sucessão familiar rural
De acordo com o último Censo Agropecuário divulgado pelo IBGE em 2017, 77% dos estabelecimentos agrícolas brasileiros são classificados como de agricultura familiar.
Neste mesmo ano mais de 10 milhões de pessoas eram empregados pela agricultura familiar, o que corresponde a 67% do total de pessoas ocupadas na agropecuária, sendo responsável pela renda de 40% da população economicamente ativa.
Embora ocupem apenas 23% da área destinada à agropecuária, já que o restante fica com as grandes propriedades, a importância econômica da agricultura familiar para a geração de empregos e abastecimento interno é evidente.
Mas uma questão importante e preocupante que engloba a agricultura familiar e que na maioria das vezes não é planejada é a sucessão familiar rural.
De acordo com o estudo “Governança e gestão do patrimônio das famílias do agronegócio” da Fundação Dom Cabral e da JValério, mais de 80% das empresas ativas no campo são liderados por seus fundadores, enquanto apenas 41% são administradas por membros da segunda geração. Apenas 16% pertencem à terceira geração, e menos de 1% continuam além da quarta geração.
O último Censo Agropecuário também aponta que um a cada quatro produtores tem mais de 65 anos.
Apesar da ideia de que as propriedades rurais são tradicionalmente transmitidas “de pai para filho”, tais dados ressaltam que a cultura de sucessão familiar no meio rural não está consolida no país!
Todo patrimônio rural tem herdeiros, mas são poucos os negócios que têm sucessores. Enquanto ao herdeiro basta prudência e bom assessoramento, cabe ao sucessor um desafio imenso e muitas vezes solitário.
Existe uma lamentável inclinação para que os descendentes destruam a herança familiar ao longo das gerações.
Também ocorrem situações em famílias com patrimônios consideráveis em que surgem herdeiros habilidosos que conseguem preservar e progredir com o que receberam com trabalho e competêcia.
Além disso, existem casos extremamente raros em que os sucessores alcançam tanto sucesso que são capazes de multiplicar o legado recebido.
Embora alguns fatores que diferenciem tais modelos sejam aleatórios, existem práticas, posturas e comportamentos que facilitam o processo. Vejamos adiante.
O que é a sucessão familiar rural?
A sucessão familiar rural é um processo pelo qual a gestão de uma propriedade rural é transferida da geração atual para a próxima , podendo envolver um membro sucessor da família ou vários sucessores.
A sucessão agrícola é um processo construído socialmente que inclui a preparação do sucessor, além da fazenda, para atender às expectativas de uma empresa familiar.
No caso do agronegócio, mais do que a transferência de posse, também envolve a continuidade de práticas culturais, históricas e tradicionais de produção e cultivo.
Em geral, o tamanho da propriedade se correlaciona positivamente com a presença de um sucessor: quanto maior a propriedade, maiores as chances de um sucessor continuar na atividade.
Observa-se também que quanto maior a escolaridade do agricultor, menor a probabilidade de sucessão nas fazendas mais novas e maior a probabilidade de sucessão nas fazendas mais antigas (ABDALA et al., 2022).
Quais os principais desafios na sucessão familiar rural?
A sucessão familiar é um processo complexo que envolve três etapas centrais:
- a transferência da gestão,
- a divisão dos rendimentos e
- a transferência patrimonial.
Dentre esses pilares, a transferência patrimonial é geralmente a mais difícil de ser resolvida devido a diversos fatores, como a comunicação, a mudança nas relações de poder e a preocupação com a segurança econômico-financeira.
Por isso, apesar da quantidade de estabelecimentos geridos pela agricultura familiar no Brasil a sucessão familiar ainda é pouco debatida e frequentemente mal planejada nos empreendimentos agrícolas.
Assim, na maioria dos casos poucos estabelecimentos conseguem se manter ao longo das gerações.
Mas quais são os principais desafios enfrentados na sucessão familiar rural? Vejamos a seguir.
Desafios no planejamento e na comunicação
A falta de planejamento adequado para a sucessão é um dos principais fatores que contribuem para essa realidade de poucos estabelecimentos agrícolas possuírem sucessores da segunda ou terceira geração no comando.
Muitas vezes a falta de planejamento ocorre porque as famílias não sabem quando devem começar a considerar a continuidade dos negócios.
Por se tratar de um assunto delicado e complexo, muitos acabam adiando as discussões até que seja tarde demais.
Momento ideal para iniciar a transição no comando
Quando iniciar o processo sucessório? Muitas vezes a sucessão parte de uma premissa equivocada: ela é vista como um evento estanque. Contudo, diferentes abordagens e medidas são necessárias e importantes para preparar a família, negócio e patrimônio para a sucessão.
O momento ideal para iniciar a transição da sucessão é quando a família se encontra em harmonia e quando todos os integrantes da família estão dispostos a conversar. Portanto, ela pode e deve se iniciar o mais cedo possível! Por que não hoje?!
Muitas vezes o assunto é postergado até o final da vida do patriarca. Nesse ponto eles não querem tratar o tema para não pensar na própria morte. Muitas vezes, essa resistência é compreensível, pois a propriedade rural e o negócio representam uma vida inteira de trabalho árduo e dedicação.
Toda essa dinâmica faz com que os possíveis sucessores não estejam preparados para dar continuidade aos negócios.
Além disso, a falta de preparação para a transição pode resultar em incertezas e disputas entre os herdeiros, comprometendo a continuidade do empreendimento.
Também há casos de conflitos familiares, falta de confiança nos herdeiros ou sucessores que simplesmente não se interessam pelo agronegócio.
Assim, a falta de um plano claro e antecipado ao negócio pode levar a conflitos familiares, incertezas e até mesmo ao fim do empreendimento familiar. Por isso, o momento de começar a planejar a sucessão familiar rural é o mais cedo possível!
Desafios da capacitação e adaptação
Há casos em que os herdeiros ou sucessores simplesmente não têm interesse ou aptidão para dar continuidade ao negócio agrícola.
Isso pode ocorrer por diversos motivos, como a falta de afinidade com o setor rural, aspirações profissionais diferentes ou atração por outras áreas de atuação.
Nesses casos, é necessário encontrar soluções alternativas que garantam a continuidade do negócio, seja por meio da contratação de gestores externos ou da venda para terceiros interessados.
Envolver os filhos na gestão do empreendimento rural é muito importante pensando na continuidade no negócio. Os filhos que se interessam pelo campo precisam estar capacitados e aptos para gerir o negócio e isso é um processo longo e gradual.
Unir as habilidades e interesses da nova geração, que têm a possibilidade de se capacitar para gerir o negócio com a experiência e direcionamento dos patriarcas seria muito útil na continuidade dos empreendimentos agrícolas.
Soluções práticas e estratégias eficientes para a sucessão familiar
Estruturado em diversas etapas, o processo de sucessão familiar começa pela identificação de um potencial sucessor, passa por sua preparação para a gestão e culmina na transferência da propriedade do negócio.
Trata-se de postura condizente com a atual dinâmica da produção agropecuária, que demanda proatividade e requer atenção dos gestores para a eficiência econômica das operações ao longo do tempo.
Portanto, o reconhecimento de que a sucessão familiar é um processo e necessita de planejamento é o primeiro passo para o sucesso da “transferência do bastão”.
Planejamento antecipado
Reconhecer a importância do planejamento antecipado é o primeiro passo para superar os desafios da sucessão familiar rural.
É fundamental iniciar as conversas sobre a sucessão familiar rural o mais cedo possível, permitindo tempo suficiente para discutir os objetivos, expectativas e preocupações de todas as partes envolvidas.
O planejamento antecipado permite uma visão clara do futuro do negócio e evita decisões tomadas de forma apressada ou emocional.
É crucial ter consciência da importância do processo sucessório e estabelecer regras que orientem o processo. Isso envolve comunicação entre os membros da família e desenvolvimento de uma visão comum.
A discussão familiar sobre a sucessão na fazenda e a divisão do trabalho entre os filhos ajuda os jovens a se posicionarem profissionalmente na agricultura. Assim, desde cedo os filhos dos agricultores aprendem, colaboram e reconhecem os seus direitos e deveres na atividade.
Fatores que afetam a sucessão familiar rural
A sucessão agrícola é influenciada pela capacidade de absorção, capital social, percentual da renda familiar (da fazenda), participação em cursos e palestras e participação em cooperativas agrícolas. Foi o que revelou um estudo sobre a sucessão familiar rural em fazendas de soja e milho brasileiras (Abdala et al., 2022).
A relevância do capital social para a sucessão, bem como as relações com pessoas externas, simbolismo, normas e a confiança parece ser importante para a construção de redes de relacionamentos que permitiu ao agricultor discutir e designar um sucessor.
Esses fatores e características podem ser fundamental para a discussão e a designação de um sucessor na fazenda.
Investir na capacitação e qualificação dos sucessores
Uma solução prática é investir na capacitação e no desenvolvimento dos herdeiros e sucessores.
Portanto, é essencial oferecer oportunidades de educação formal e treinamento específico para que eles adquiram as habilidades necessárias para gerir o negócio de forma eficiente.
Isso inclui conhecimentos técnicos, como gestão financeira, agronomia e marketing, além de habilidades de liderança, comunicação e resolução de conflitos.
A presença de membros da família com habilidades, conhecimentos e motivações distintas pode ampliar o escopo de atuação e revelar novas oportunidades de negócios ao longo da cadeia produtiva, aumentando o potencial de lucro.
A combinação de especialização e diversificação ao entrar da nova geração no negócio pode revelar oportunidades de negócios e maior lucratividade.
Buscar orientação profissional
É importante considerar que um plano de sucessão familiar rural envolve egos familiares e discussões de cunho emocional. Para garantir a imparcialidade que as decisões exigem, é interessante buscar auxílio de profissionais capacitados que orientem todo o processo.
O processo de preparação para a sucessão deve ser objetivo. O difícil de trabalhar com pessoas é mexer com sentimentos e egos. Por isso a importância de um facilitador, isento e externo, para trazer lucidez ao processo, deixando as emoções de fora.
Isso auxilia na elaboração de acordos e contratos, na gestão do patrimônio, na avaliação dos riscos e na definição de estratégias de transferência do negócio.
As experiências e conhecimentos de profissionais são valiosos para evitar armadilhas comuns e garantir uma transição bem-sucedida.
Conclusões
A sucessão familiar na agricultura é um processo complexo, mas com planejamento antecipado, comunicação eficaz e soluções práticas, é possível garantir a continuidade do negócio agrícola para as próximas gerações.
Enfrentar os desafios da sucessão familiar é essencial para preservar o legado familiar e contribuir para o desenvolvimento sustentável do setor agrícola.
Com o planejamento estratégico e gestão da propriedade, as famílias agrícolas podem construir um futuro próspero e duradouro para seus negócios e comunidades.
Referências
ABDALA, R.G.; BINOTTO, E.; BORGES, J.A.R. Family farm succession: evidence from absorptive capacity, social capital, and socioeconomic aspects. Revista de Economia e Sociologia Rural, v. 60: e235777, 2022 |DOI: 10.1590/1806-9479.2021.235777
AFECTUM AGRO. Sucessão familiar rural: os desafios diante da realidade. Revista Gestão Rural, v. 16, 2018. Disponível em: https://affectum.com.br/wp-content/uploads/2018/03/gestao-rural-ed-16.pdf. Acesso: 14 de junho de 2023.
EMBRAPA. Sobre o tema: Agricultura Familiar. Disponível em: https://www.embrapa.br/tema-agricultura-familiar/sobre-o-tema. Acesso: 13 de junho de 2023.
OLIVEIRA, W.M.; VIEIRA FILHO, J.E.R. A sucessão familiar no setor agropecuário. Revista de Política Agrícola. p. 122-135, 2019.
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