“Hoje enterramos décadas de fracasso e de disputas sem sentido (…) Começa uma nova era na Argentina. Uma era de paz, de crescimento e desenvolvimento, de liberdade”, disse Javier Milei, o novo presidente do país, empossado neste domigo (10) durante seu discurso na sequência do protocolo de troca de faixa e do bastão presidencial.
As imagens que circularam o mundo hoje registrando a cerimônia de posse de Milei deixaram ainda mais nítido o início de uma nova fase no país. Uma nova fase que, indiscutivelmente será, no início, dolorosa e desafiadora não só para a nova equipe de líderes da nação, mas também para a população argentina, que se viu mergulhada em profundas crises social, política e econômica se agravando nos últimos quatros anos. Ainda assim, esta é uma nova fase bastante aguardada, que traz alívio a muitos, ao mesmo tempo em que desagrada uma parcela considerável do “empoeirado” Peronismo/Kirchnerismo que dominou a nação sulamericana por décadas.
O gesto de Cristina Kirchner, mostrando o dedo meio ao povo argentino, apoiadores de Milei ao chegar ao Congresso, marcou o início do dia e dos protocolos deste domingo, correu a imprensa internacional e foi mal repercutido.
“Mas o pior de tudo aconteceu quando ela chegou ao Congresso. O rude gesto que Cristina fez , ao levantar e sacudir várias vezes o dedo anelar direito, em resposta a insultos e gritos de manifestantes , não só a degrada pessoalmente como pessoa e como mulher, mas pontua sua falta de coragem como política experiente e – o pior de tudo – envergonha as instituições que representou durante dois períodos como presidente da Nação, um como vice-presidente e vários outros como legisladora”, trouxe o La Nacion.
Milei, que se classifica como um ‘anarcocapitalista’ e ‘ultralibertário’, venceu o Sergio Massa no segundo turno de uma das mais importantes e acirradas eleições da história da Argentina, e enfrentará desafios bastante intensos, como medidas que ele mesmo já classifica como também muito intensas. Os questionamentos são muitos, o agronegócio argentino responde por muitos deles – dado todo o sofrimento sentido pelo setor nos últimos anos – e deverá participar ativamente das transformações propostas dado todo seu potencial.
A cerimônia não contou com a presença do presidente brasileiro Luiz Inácio Lula da Silva e o Brasil foi representado por seu chanceler, Ministro das Relações Exteriores, Mauro Vieira. Quem também esteve presente foi Jair Bolsonaro, que acompanhou tudo desde cedo e bem de perto. Na imagem abaixo, ele se abraça como o ex-presidente Maurício Macri. O ex-presidente argentino disse que carrega expectativas muito boas e desejou força e sorte ao colega, a quem apoiou no segundo turno, bem como a candidata que apoiou durante a primeira etapa do pleito, Patricia Bullrich.
O agronegócio – uma das esferas mais importantes para a economia do país – aguarda com ansiedade as mudanças que virão, mas consciente de que o começo não será fácil e tão pouco indolor.
“A Argentina está há muito tempo presa em ciclos recorrentes de contrações econômicas profundas e destrutivas, provocadas por políticas que forçam os governos a gastarem rotineiramente mais do que arrecadam através de impostos e outros rendimentos. O presidente eleito, Javier Milei, tomará posse com a tarefa de reverter políticas de gastos insustentáveis que esgotaram os cofres do governo e fizeram disparar a inflação e as taxas de juro”, explica o diretor da Cogo Inteligência em Agronegócio, Carlos Cogo.
Assim, Milei é empossado em uma nação isolada dos mercados financeiros globais, com dívidas exorbitantes e tendo recorrido à impressão de dinheiro como busca por alternativas em que momento algum trouxeram qualquer resultado efetivo à economia ou à sociedade da Argentina, que é, atualmente, o maior devedor do FMI (Fundo Monetário Internacional).
“O país recebeu mais de 20 programas de ajuda financeira do Fundo Monetário Internacional (FMI) desde o final da década de 1950. Atualmente, deve ao fundo mais de US$ 40 bilhões”, complementa Cogo. “A Argentina entrou em default da dívida soberana nove vezes na sua história, a mais recentemente em 2020. A Argentina luta para gerar dólares suficientes através das exportações e, à medida que a escassez de moeda estrangeira se intensifica, os argentinos não têm outra opção senão proteger as suas poupanças correndo para a segurança do dólar, causando desvalorizações acentuadas do peso”, explicou o executivo.
2023 deverá terminar com a inflação argentina perto de 200% e sinalizando um tempo de mudanças e desafios agressivos para o país. E, novamente, para o agronegócio não deverá ser diferente.
E O QUE AGRO ARGENTINO DEVE ESPERAR?
Ainda segundo o diretor da Cogo Inteligência em Agronegócio, o estímulo ao setor produtivo argentino poderia vir por meio da eventual dolarização da economia e do fim das taxações sobre as exportações, as chamadas retenciones, ambas promessas de Milei.
“Atualmente, tanto a volatilidade e interferência cambial quanto os impostos sobre as exportações prejudicam o aumento dos embarques argentinos. Um aumento de exportações argentinas viria somente na próxima safra, ou seja, a partir de março/abril de 2024. O fim dos impostos poderia levar a uma comercialização mais rápida da safra pelos produtores e pressionar os preços na colheita”, explica Cogo.
Desta forma, ao passo em que as medidas propostas pelo novo governo forem sendo implementadas, a competitividade argentina deverá acompanhar a mudança e a retomada do fôlego econômico do país. Uma das pautas mais discutidas é o complexo soja, setor em que Brasil e Argentina são concorrentes diretos.
“A sustentada demanda mundial por soja – principal produto em que os países competem – minimizaria os eventuais reflexos dessa maior competição. Se, eventualmente, a Argentina conseguir suplantar as barreiras que possui hoje e voltar a uma condição de competitividade global, com o grande potencial produtivo que possui poderia voltar a uma concorrência mais forte, mas a questão é se conseguirá voltar a produzir alimentos a baixo custo para se tornar competidor relevante, como já foi no passado”, afirma Carlos Cogo.
Além disso, a produção deverá ser beneficiada ainda por medidas como a remoção de cotas e tarifas no comércio internacional, eliminação das tarifas de importação de insumos e revogação da lei de terras permitindo compra por estrangeiros, todas promessas de campanha de Milei durante a corrida presidencial.
Com mudanças como estas, as exportações não só de soja poderiam crescer, como as de grãos de uma forma geral, principalmente porque são responsáveis por um volume considerável de divisas no país.
“Tudo vai depender da política que será implementada no agronegócio. Portanto, deverá haver uma política que incentiva maior competitividade do produtor argentino a participar no mercado global. O agronegócio argentino reforçou os pleitos ao presidente eleito. O setor quer uma política menos intervencionista, o fim das taxações sobre as exportações agrícolas e a adoção de um câmbio único”, diz Cogo.
A entidades do agronegócio argentino já listaram seus pleitos ao novo governo e a Câmara de Exportadores da República Argentina (Cera) junto do Conselho Agroindustrial Argentino (CAA) apresentaram o “Plano Agroindustrial Federal 2023-2033” e “Estratégia Nacional Exportadora” às equipes técnicas dos candidatos e, segundo este documento – que tem como uma de suas bases a adoção de uma política de Estado exportador ao longo de dez anos – a Argentina poderia aumentar as exportações do agronegócio para US$ 156,8 bilhões, elevando a participação do país nas vendas globais de 0,35% em 2022 para 0,65% em 2030.
Em suma, o ponto sobre os quais especialistas convergem é de que o agronegócio argentino estará no centro da transição proposta por Milei. As organizações do setor assumiram um protagonismo importante durante a corrida presidencial, e não só listaram suas necessidades à nova equipe governamental, como abriu o diálogo com os próximos dirigentes e se colocou à disposição para mudar a Argentina.
“Para o campo abre-se um novo ciclo que, segundo os dirigentes da atividade, estimula expectativas positivas porque Milei considera que o Estado tem que se retirar da intervenção da economia e deve abrir caminho para que as forças produtivas libertem todo o seu potencial com igualdade perante a lei e respeito pela propriedade privada. É isso que a agricultura, com diferentes tipos de nuances, vem propondo e exigindo nos últimos anos”, traz uma reportagem do jornal local La Nacion.
Na semana passada, um evento reuniu, em Buenos Aires, uma série de líderes e empresários do setor agroindustrial, além de produtores, economistas, técnicos e outras referências para que fossem discutidos os pontos de transformação pelos quais passarão o setor a partir de agora. Quem liderou o momento foi Fernando Vilella, designado como Secretário da Bioeconomia, como passará a se chamar o antigo Ministério da Agricultura.
“Nosso objetivo é refazer o caminho de regulamentações e imposições fiscais ineficientes que impedem o desenvolvimento dos negócios das diferentes cadeias e não nos permitem vincular-nos efetivamente às oportunidades dos mercados globais. Vamos gerar as ferramentas para expressar todo o potencial de uma bioeconomia historicamente negligenciada”, afirmou Vilella. “O setor agrobioindustrial desempenha um papel essencial na construção de um futuro sustentável e próspero”.
“Começamos a falar de “agrobioindústria” como a atividade que não só gera alimentos, mas também fibras, energia e bens industriais e biológicos”, complementou o secretário. “Em média, por habitante, exportamos metade do Uruguai e um terço do Chile. O foco será no processamento agregado de grãos para sua transformação em proteínas animais e produtos derivados. Não estamos falando apenas da segurança alimentar da Argentina, mas de todo o mundo”.
Villela, durante o evento, destacou ainda a necessidade da Argentina intensificar sua participação internacional no comércio. “A ausência de uma política de inserção internacional gerou perda de oportunidades, desperdiçando as características do nosso modelo de produção com as menores pegadas ambientais globais”, afirmou.
Ainda de acordo com o La Nacion, o secretário não detalhou sobre medidas macroeconômicas que a Argentina deverá adotar e que as mesmas serão informadas por Luis Caputo, que assumirá o Ministério da Economia. Ainda assim, afirmou que o colega está já convencido sobre a necessidade de eliminação, por exemplo, das retenciones.
A publicação trouxe ainda quais serão os pontos-chave da proposta apresentada por Fernando Vilella durante o evento:
- Na produção vegetal, aposta “numa lei de germoplasma, no crescimento das áreas de irrigação, no desenvolvimento de tecnologias, no desenvolvimento florestal-industrial e no desenvolvimento das Economias Regionais;
- Na agrobioindústria, propõe-se “melhorar a eficiência nas cadeias de valor”, com o desenvolvimento de Biorrefinarias, bioprodutos, bioenergia, biomateriais, bioinsumos agrícolas e industriais;
- Em relação à biotecnologia e às tecnologias convergentes na bioeconomia, “promoção da agtech, da biodiversidade, da conservação, do uso sustentável, das certificações e da rastreabilidade”;
- Na produção animal, disse que a intenção é “caminhar para a formalidade sanitária, tributária e trabalhista, a reformulação da Matriz Exportadora em proteínas de origem animal e o desenvolvimento de tecnologias na produção de suínos, aves, bovinos, ovinos e laticínios; à aquicultura e ao desenvolvimento das economias e produções regionais.
ADIOS, PERONISTAS!
O adiós do campo argentino aos peronistas e kirchneristas foi duro e crítico, como mostrou uma declaração feita pela Confederação Rural Argentina (CRA), direcionado ao presidente Alberto Fernández, à sua vice Cristina Kirchner e ao Ministro da Economia – que concorreu à presidência – Sergio Massa.
O balanço feito pela CRA destacou que nenhum país teve ou tem resultados tão desastrosos e caóticos pós-pandemia como a Argentina, e ainda questionou Fernández sobre seus parceiros políticos, já que pontua também a ‘solidão’ durante seu governo.
“Nós nos perguntamos: para onde foram seus parceiros políticos? A participação de Cristina Fernández de Kirchner neste governo que a rodeia a sinaliza como participante determinante na decadência e na ruína a que chegámos, e isso é indesculpável”, trouxe o documento da confederação.
Seguindo, o comunicado traz ainda que “tem sido difícil, atravessámos quatro anos de pobreza crescente, insegurança, crise económica, declínio educacional, falta de defesa e respeito pela propriedade, degradação institucional, impunidade, corrupção, abusos da justiça, ausência de federalismo , promessas truncadas, histórias, moral escorregadia, valores pisoteados, todo mal”.
Por: Carla Mendes | Instagram @jornalistacarlamendes
Fonte: Notícias Agrícolas
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