Clima gera amplificação dos focos, mas não tem capacidade de, sozinho, causar as chamas
Setembro chega com o risco de recorde de incêndios florestais no país, muito calor e quase nenhuma chuva. Historicamente, no Brasil, setembro e outubro, meses de estiagem, são a época de maior perigo de queimadas. Porém, as condições meteorológicas extremas que favoreceram os incêndios de dimensões inéditas neste mês em São Paulo, no Pantanal e no Sul da Amazônia têm grande probabilidade de se intensificarem nas próximas semanas, adverte o Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais (Cemaden).
O cenário está pronto para o inferno, mas os cientistas destacam que para haver incêndio será preciso que alguém ateie o fogo. O clima extremo aumenta o perigo de amplificação dos focos, mas sozinho não incendeia nada em períodos secos, quando não há ignição natural por raios.
— O fogo se inicia sempre de forma proposital, seja por sabotagem ou porque alguém resolve fazer uma limpeza e perde o controle. Os incêndios são certos se as pessoas continuarem a colocar fogo na vegetação e não houver medidas mais amplas de prevenção — afirma o meteorologista Marcelo Seluchi, coordenador de operações do Cemaden.
Os cientistas dizem que prevenção e campanhas de educação sobre o uso do fogo são de extrema urgência.
Esta última semana de agosto deve marcar também a despedida do frio, que mal chegou e já vai embora para não retornar este ano. Seluchi diz que os modelos de previsão indicam chuva bem abaixo da média numa época em que naturalmente já chove menos.
Quando a chuva está abaixo da média, a temperatura fica acima. Também significa menos umidade do ar e agravamento da seca. A estação das chuvas chegará mais tarde.
O mapa do índice de umidade da vegetação no Brasil hoje virou o mapa do caminho do fogo, tamanha a gravidade da situação, destaca Ana Paula Cunha, cientista do Cemaden e especialista em seca.
O índice de umidade na vegetação é um dos principais componentes para se avaliar a seca e o perigo de incêndios florestais. Ele é medido em pontos. Considera-se que há seca de algum nível quando se chega a valores abaixo de 40. Menos de 20 já significa seca severa. E valores inferiores a 10, extrema. Ana Paula Cunha explica que se fossem considerados os valores abaixo de 40, praticamente todo o Brasil seria marcado, dada a extensão da seca no país.
Está na pior situação, quase zero de umidade na vegetação, uma ampla faixa que vai da Amazônia, passa pelo Pantanal e alcança o oeste de São Paulo.
— Em setembro esse cenário deve se agravar — diz Ana Paula Cunha.
Seluchi ressalva que até o momento o modelo numérico indica que as próximas seis semanas serão quentes e praticamente sem chuva.
— Só nos últimos dias de setembro e no início de outubro aparece no horizonte alguma condição para haver chuva. E alívio mesmo não deve ser esperado antes do verão. A estação chuvosa vai atrasar — ressalta ele.
A previsão de chuva abaixo da média e calor acima é para praticamente todo o Brasil. Mas há dois pontos críticos. O primeiro é o Sul da Amazônia, onde a estação chuvosa passada já foi muito ruim, devido a El Niño e ao Atlântico. O Niño acabou, mas o Atlântico tropical continua quente e atrapalhando. A chuva deve seguir abaixo da média até o fim de novembro.
Cunha acrescenta que a Amazônia está sob condição de seca desde o segundo semestre de 2023, e em setembro pode não chover em algumas áreas.
— A seca tem efeito cumulativo, vai piorando. Setembro será um mês de risco máximo — ressalta Cunha.
A outra região crítica é o Pantanal, também sob regime de seca desde o ano passado. O Rio Paraguai está abaixo dos mínimos históricos e o possível início de uma La Niña não deve ajudar.
— O cenário mais provável é de pouca ou nenhuma chuva nessas áreas, e isso vai elevar as temperaturas. Vai ser muito favorável para incêndios, infelizmente — lamenta Seluchi
Ele frisa que a previsão para setembro e o restante da primavera coincide com o cenário de mudanças climáticas: redução do período chuvoso e aumento do seco.
— Isso já vem sendo observado. As observações correspondem ao que modelos de mudança climática previram há anos. Só não enxerga quem não quer ver — enfatiza Seluchi.
O desmatamento é outro fator de agravamento do risco de seca e incêndios. Ao reduzir a camada de vegetação, o desmatamento acaba com uma fonte de umidade. As florestas são fonte de umidade, que vai para atmosfera e ajuda a formar a chuva. Fica cada vez mais difícil iniciar a estação chuvosa e quando ela começa, pode ser extrema porque há muita energia acumulada na atmosfera.
A ecóloga das universidades de Oxford e Lancaster Erika Berenguer, estudiosa do impacto do fogo nas florestas, diz que o desmatamento também deixa as matas nas bordas das áreas queimadas enfraquecidas e vulneráveis a novos incêndios.
Vento ajuda a propagar
O vento forte é outro agravante do risco, pois amplifica a propagação das brasas e das labaredas. Não há explicação consolidada para a intensificação do vento desde o ano passado. Ela pode estar associada a uma série de fatores, não excludentes.
Uma delas está relacionada aos rios voadores. Segundo Seluchi, houve uma conjuntura meteorológica favorável para a persistência de jatos de baixos níveis, mais conhecidos como rios voadores. Mas são rios só quando há umidade. Com a seca e os incêndios, eles se tornaram canais de fumaça.
Ele acrescenta que agosto e setembro também são os meses em que o anticiclone semipermanente do Atlântico começa a se deslocar mais para o Sul e isso aumenta os ventos. O anticiclone é uma grande área de alta pressão atmosférica que se forma sobre o oceano, perto das regiões subtropicais. O termo designa uma região onde o ar desce e se espalha em todas as direções.
Mesmo que a estação chuvosa venha no fim da primavera e no verão, não deve ser suficiente para que reservatórios hídricos e a vegetação se recuperem.
— Um verão só não é suficiente. São necessários pelo menos dois ciclos de chuva para que haja recuperação — diz Cunha.
Por: Ana Lucia Azevedo Fonte: O Globo
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