Incorporar matéria orgânica nos solos significa sequestrar carbono da atmosfera e avivar o solo, escreve Xico Graziano
O Ministério da Agricultura teve uma grande ideia: criar um Programa Nacional para converter pastagens degradadas em áreas de produção rural sustentável. Agroambientalismo na veia. Anunciado por Lula na semana passada, durante a COP28, realizada em Dubai, a criação do ministro Carlos Fávaro une a segurança alimentar com a proteção ambiental no campo. Reduz o vetor do desmatamento e avança no combate às mudanças climáticas.
Há uma meta e um prazo: promover a recuperação e conversão de 40 milhões de hectares de pastagens de baixa produtividade, transformando-as em áreas agricultáveis, em um período de 10 anos. Esse feito praticamente dobraria a área de produção de alimentos no Brasil sem ocorrer novos desmatamentos. Seria sensacional.
A pergunta é: vai sair do papel?
Roberto Perosa, secretário de comércio internacional do Ministério da Agricultura, garante que sim. A presença dele na articulação do programa é sugestiva, pois a maior dificuldade a ser superada não está na tecnologia de produção, já amplamente dominada pelos agricultores, mas no financiamento e na logística. Aí é que a coisa pega.
Segundo Perosa, estima-se um custo de implementação do programa na base de US$ 3.000/hectare, o que daria um total de US$ 120 bilhões no período. Para o engenheiro agrônomo Maurício Nogueira, grande entendido em pastagens e pecuária brasileira, o custo pode ser menor, pois boa parte das pastagens com baixa produtividade poderia ser revigorada com técnicas que dispensam o revolvimento do solo.
De qualquer forma, por causa do ciclo longo da pecuária, os financiamentos do programa teriam que ser de longo prazo. Por isso, o governo está propondo 3 anos de carência e 12 anos para pagamento, com taxas de juro compatíveis. Como viabilizar esse recurso? Aqui está o pulo do gato da dupla Fávaro/Perosa: transformar o custo em oportunidade e vender o programa no exterior, no contexto dos investimentos globais que se direcionam para a economia de baixo carbono. Afinal, para combater desmatamento e fixar carbono no solo, reduzindo o efeito estufa na atmosfera, nada melhor que recuperar pastagens degradadas, transformando-as em sistemas integrados de produção intensiva (lavoura-pecuária-floresta).
Há, sabidamente, muito dinheiro disponível no mundo desenvolvido para impulsionar essa agenda ESG no agro. Como acessá-lo? Garantir retorno, nesse caso, exige o compromisso do país, tanto do governo como de produtores, em produzir alimentos sem avançar sobre as florestas nativas. Mais que isso, regenerar o solo e combater mudanças climáticas. Tudo rastreado, e certificado, para oferecer credibilidade aos investidores.
A degradação de solos usados no pastoreio de animais é um milenar problema civilizatório, tornando áridas amplas regiões e provocando a formação de desertos, incluindo do Saara até o Oriente Médio.
Allan Savory foi quem, em 2013, chamou a atenção mundial sobre o terrível problema. Seu famoso vídeo relacionava, de forma pioneira, a recuperação dos desertos com a reversão das mudanças climáticas.
Dessa questão brotou, recentemente, o apelo pela agropecuária chamada “regenerativa”, conceito que hoje domina as propostas de sustentabilidade no campo. A incorporação de matéria orgânica nos solos, por meio principalmente das raízes das plantas, significa sequestrar carbono da atmosfera. Aviva o solo. Quem possibilita esse extraordinário fenômeno é a fotossíntese, maneira como as plantas “respiram” gás carbônico (CO²), sintetizando carboidratos, devolvendo oxigênio (O²) para a atmosfera. Por essa razão, aliás, na agronomia aprende-se que o gás carbônico é o gás essencial da vida planetária.
Considerá-lo um gás “poluente” como os físicos e outros cientistas o tem classificado, por conta de sua influência no efeito estufa, é uma heresia biológica. Mas esse é outro assunto.
Por: Xico Graziano, 70 anos, engenheiro agrônomo e doutor em administração. É professor de MBA da FGV.