Falar em redução de impostos sempre foi música nos ouvidos dos dirigentes da indústria automobilística. E não foi diferente nesta quinta-feira (25), quando, sob a justificativa de tornar os carros mais acessíveis, o governo anunciou a redução de IPI e PIS/Cofins. Já faz parte da história desse setor negociar redução tributária a cada sobressalto de crise nas vendas.
A escolha do valor de R$ 120 mil como limite de preços dos veículos que serão beneficiados pela redução na carga tributária tem a ver com o portfólio da indústria. São poucos os modelos abaixo de R$ 100 mil. Assim, com esse limite, a maior parte dos fabricantes interessados no programa poderá participar.
Cada um dos pontos elencados pelo ministro do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços, Geraldo Alckmin, no anúncio do programa, deixam, no entanto, muitas questões no ar.
A começar pela capacidade de o programa de fato elevar o volume de produção. Segundo Alckmin, a proposta “é transitória e para esse momento porque a indústria está com muita ociosidade”.
Não é de hoje que as fábricas de veículos operam com mais de 40% de ociosidade. Mas também não é segredo que essas empresas não se importaram em passar a conviver com esses vazios industriais porque preferem lucro a volume. Pelo mesmo motivo, muitas sequer ligam para o fato de marcas concorrentes passarem à frente na participação de mercado. O chamado “market share”, velho instrumento de pressão nas equipes de venda, perdeu relevância com a estratégia de privilegiar lucratividade.
Outro ponto que o ministro fez questão de destacar é que serão “premiados” os carros que gastam e poluem menos. Essa questão é bastante polêmica. Embora reduzir o imposto para o carro que polui menos seja louvável, a medida não exclui a necessidade de o país definir a matriz energética que pretende adotar em seu transporte.
Poluir mais ou menos é muito vago. E qual o caminho? O país irá na direção do carro a combustão movido a combustível fóssil ou criará estímulos ao consumo de etanol? Além disso, etanol polui menos que gasolina. Mas quem garante que o consumidor vai usar etanol no carro que aceita os dois combustíveis? E quanto aos os híbridos e elétricos, que poluem bem menos, mas nenhum está em faixas de preços abaixo de R$ 200 mil?
Inspeção veicular
Pior ainda: se os que poluem mais serão penalizados falta definir, então, um programa de inspeção veicular capaz de retirar das ruas os carros mais velhos e que são, hoje, infelizmente, os verdadeiros carros populares e também os que mais agridem a atmosfera.
Nacionalização de componentes
Outro ponto destacado por Alckmin foi a atenção com as peças fabricadas no Brasil. “Isso vai ser levado em consideração”, disse referindo-se a condição de que o veículo tenha um mínimo de componentes produzidos no país. Essa é uma questão importante. Mas não foi o governo o primeiro a pensar nela.
Por questões de custos e para ficar menos à mercê da oscilação cambial e de complicações logísticas, há muito tempo existe um contínuo esforço da indústria automobilística para a nacionalização dos componentes.
Esse esforço não consegue, no entanto, acompanhar a evolução tecnológica, principalmente dos eletroeletrônicos. A dependência do suprimento asiático ficou claramente exposta na crise dos semicondutores. E isso não aconteceu só no Brasil.
Nos Estados Unidos, os incentivos também oscilam conforme o conteúdo local dos veículos. Mas a sofisticação do cálculo americano vai além. Abrange até a origem dos minerais que compõem as baterias dos carros elétricos.
O Brasil não precisa chegar a esse nível de requinte. Pode ficar na realidade do brasileiro. Por isso mesmo, causa estranheza quando Alckmin diz que o cálculo do desconto de até 10,79% nos carros “leva em conta o social”. A não ser que — e essa seria notícia ainda mais importante para quem chacoalha diariamente em ônibus e trens — a federação tenha a intenção de liderar algum programa de incentivos ao transporte público.
Fonte: Valor Econômico
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