Em encontro na Unicamp, coordenadores e pesquisadores do Programa FAPESP de Pesquisa sobre Mudanças Climáticas Globais apresentam os desafios e as demandas para pesquisas que podem ajudar a entender e combater as consequências dos eventos extremos causados pelo aquecimento do planeta
Na semana em que o Observatório do Clima divulgou estudo apontando que o Brasil precisa reduzir em 92% as emissões de gases do efeito estufa até 2035, a fim de limitar em 1,5°C o aquecimento global, coordenadores e pesquisadores do Programa FAPESP de Pesquisa sobre Mudanças Climáticas Globais (PFPMCG) se reuniram no Instituto de Geociências da Universidade Estadual de Campinas (IG-Unicamp).
A ideia do encontro, ocorrido nesta terça (27) e quarta-feira (28/08), foi justamente discutir as prioridades atuais em pesquisas na área, além de trabalhar a integração entre os projetos, a fim de estimular interações, estruturar ideias e atividades conjuntas. A programação e a transmissão na íntegra estão disponíveis on-line.
“A cada dia que passa a crise climática se intensifica e é necessário prover informações, gerar conhecimento de ponta e, principalmente, as soluções para que o país possa avançar nas ações de mitigação, adaptação e no desenvolvimento econômico sustentável”, disse Luiz Aragão, pesquisador do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) e assessor de Mudanças Climáticas da Coordenadoria de Programas Estratégicos e Infraestrutura da Diretoria Científica da FAPESP.
O cientista lembrou que 70% das emissões do Brasil vêm das mudanças no uso do solo, o que torna fundamental trabalhar o setor de florestas e de agropecuária.
“O desafio é muito grande. Temos de ter investimentos robustos e de longo prazo nessa área”, afirmou.
Dados os eventos extremos que têm assolado o país, como as queimadas em São Paulo e em outros Estados, Aragão propõe uma linha de fomento de urgência, com avaliações rápidas das propostas para que possam prover diagnósticos precisos sobre os impactos desses eventos.
Neste que é o ano mais quente da história, a Administração Oceânica e Atmosférica Nacional (NOAA, na sigla em inglês), dos Estados Unidos, apontou ainda um aumento de 1,9°C sobre o continente em 2024. “Estamos ultrapassando o limite de 1,5°C e temos consequências visíveis”, afirmou.
Para Célio Haddad, professor do Instituto de Biociências da Universidade Estadual Paulista (IB-Unesp), em Rio Claro, que representou o diretor científico da FAPESP no evento, o tema é muito relevante e afeta diretamente a sociedade, inclusive as espécies.
“Se é difícil adaptar nossa economia, nossas vidas, às mudanças climáticas, imaginem espécies que evoluíram ao longo de milhões de anos, muitas incapazes de se adaptar a essas mudanças profundas que ocorrem num curto período de tempo”, disse.
Urgências
O evento foi uma oportunidade para pesquisadores apoiados no âmbito do PFPMCG trocarem percepções sobre seus trabalhos e levantarem pontos em comum. No total, o programa criado em 2008 já apoiou 157 projetos de pesquisa, 32 em vigência, com cerca de 690 jovens pesquisadores formados em nível de mestrado e doutorado e mais de uma centena sendo capacitados atualmente.
Um dos pontos levantados foi a necessidade de aprimorar os modelos climáticos e de tempo. “Ainda existem modelos, inclusive os usados pelo IPCC [Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas, da Organização das Nações Unidas], que consideram dois tipos de árvores para a região tropical, quando existem muito mais”, disse David Lapola, vice-coordenador do Centro de Pesquisas Meteorológicas e Climáticas Aplicadas à Agricultura (Cepagri), da Unicamp.
O pesquisador se dedica a medir os efeitos do dióxido de carbono (CO2) sobre as árvores, o que demanda experimentos em campo, grandes bancos de dados e supercomputadores para realizar as modelagens e prever cenários para o futuro.
Uma das dificuldades dos modelos de clima e de tempo é justamente a falta de integração entre os dados. Pensando nisso, um consórcio de pesquisadores de diversas partes do mundo está desenvolvendo um modelo comunitário.
“O objetivo é simular oceano, continente, atmosfera, um modelo do sistema terrestre que vai ser comunitário, unificado, com um único código computacional. É um novo paradigma, inclusive falando de América Latina”, contou Gilvan Sampaio, pesquisador do Inpe.
Um dos avanços do novo modelo, batizado de Monan (Modelo de Predição de Oceano, Terra e Atmosfera, na sigla em inglês), é que será único, eliminando a separação entre modelos globais e regionais, como se faz hoje. Na primeira versão, prevista para começar a operar em 2025, a previsão do tempo poderá ser feita para dez e para três quilômetros. “Isso pode ser ainda mais refinado para alguns locais, como a Região Metropolitana de São Paulo, que pode chegar a um quilômetro”, explicou.
Tanto Sampaio quanto Lapola enfatizaram a necessidade de repositórios de dados abertos e curados para alimentar os modelos. Além disso, algo que já está em uso na Europa e que poderia ser integrado às pesquisas locais são as ferramentas de inteligência artificial, capazes de tornar os modelos ainda mais precisos.
Em um cenário com cada vez mais eventos extremos, a previsão do tempo é uma ferramenta fundamental para planejar as ações de enfrentamento. Em uma intervenção da plateia, a pesquisadora Luciana Gatti, do Inpe, lembrou que estamos observando um aumento no número de mortes por eventos extremos.
“O Estado de São Paulo é o segundo em número de mortes por esses eventos, provavelmente porque é o mais desmatado do Brasil. Precisamos de uma política clara para mitigar e dirimir o que está acontecendo. Vamos caminhar para um cenário cada vez pior de ondas de calor e sabemos a tarefa gigante que temos pela frente”, disse.
Por: André Julião Fonte: Agência FAPESP
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