Em meio à crise de energia que engole a Europa, os mercados internacionais de petróleo têm proporcionado um leve alívio, uma vez que os preços recuaram diante da preocupação dos operadores com a economia mundial. A virada de maré, porém, pode ter vida curta.
Por enquanto, o petróleo mais barato vem sendo bem recebido pelos líderes mundiais, que lutam contra as maiores taxas inflacionárias em décadas. O presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, cujos índices de aprovação encolheram quando os preços da gasolina subiram há alguns meses, não desperdiçou a oportunidade para dizer aos americanos que suas viagens de carro voltaram a ficar mais baratas.
Os mercados de petróleo não caíram nos cenários apocalípticos a respeito dos quais analistas de energia alertavam há apenas seis meses, quando um choque no estilo dos anos 1970 parecia inevitável diante da demanda pós-pandemia, em crescimento desenfreado, e da possibilidade de novas interrupções no fornecimento.
As grandes petrolíferas vêm comprometendo menos capital para a área de produção do que antes da pandemia
O J.P.Morgan projetou que o petróleo referencial Brent poderia chegar a US$ 300 por barril, se as sanções ocidentais à Rússia resultassem em uma grande paralisação na indústria petrolífera do país. Nesta quarta-feira (24), fechou a US$ 101,22, queda de 28% desde o pico de 2022, de cerca de US$ 140, dias após a Rússia ter invadido a Ucrânia em fevereiro.
Ainda é um valor alto a se pagar pelo petróleo – quase o dobro da cotação média de longo prazo e mais do que suficiente para continuar gerando lucros para produtores pelo mundo, do Texas ao Kremlin. Ainda assim, está longe de ser um choque de preços.
Mas ninguém deveria ficar muito otimista com o atual mercado mais moderado. Os preços do petróleo podem cair por bons motivos (como avanços tecnológicos que reduzem a demanda ou liberam mais oferta), mas também, por maus motivos, como uma recessão. E o atual mercado de petróleo não está em bom estado.
O preço está caindo não porque há oferta ampla, mas porque a inflação cada vez maior e taxas de juros em alta provocam temores de recessão, em especial na Europa. A atual demanda desaquecida por petróleo na China também pesa, em um mercado que passou a depender da sede implacável do país por mais petróleo. Onde há oferta ampla, isso se dá de forma inesperada, como na Rússia, já que as sanções ocidentais mal atingiram o setor de petróleo, ou de forma não natural, como nos Estados Unidos, onde Biden decretou que o petróleo dos estoques emergenciais nacionais fosse despejado no mercado. Isso tem ajudado a conter os preços, mas um mercado que é mantido sob controle pela decisão de um governo não configura uma situação natural.
Alguns fatores que estão contendo os preços têm data para acabar. O programa de liberação do petróleo emergencial EUA termina em novembro, e esses estoques terão que ser reabastecidos. Em dezembro, Europa e Reino Unido deverão proibir a contratação de seguros para navios transportando petróleo da Rússia – medida que pode reduzir as exportações russas em um grau que as sanções até agora não conseguiram.
Os temores quando à economia, na verdade, ainda não atingiram a demanda. Uma recessão profunda poderia virar de ponta-cabeça todos os fundamentos dos mercados de commodities, como na década de 1980. Mas recessões curtas costumam reduzir a demanda por petróleo apenas por pouco tempo: quando as economias se recuperam, o consumo também o faz.
Por sua vez, os fundamentos da oferta e da demanda, que tanto assustavam os analistas de petróleo há alguns meses, continuam à espreita, sob a superfície do mercado. A capacidade de produção ociosa da Organização dos Países Exportadores de Petróleo (Opep) está diminuindo. Até a produção real do cartel agora está bem abaixo de suas próprias cotas.
O principal produtor da Opep, a Arábia Saudita, que tem bastante capacidade de produção ociosa, já discute novos cortes de produção para dar sustentação aos preços – uma ideia que poderia neutralizar qualquer petróleo extra proveniente do Irã, se as sanções sobre o país forem aliviadas.
O investimento em nova produção fora da Opep continua fraco. Wall Street reluta em financiar mais projetos de combustíveis fósseis que poderiam acabar se tornando obsoletos pelas políticas climáticas. As grandes petrolíferas vêm comprometendo menos capital para a área de produção do que antes da pandemia. Os investidores estão forçando as produtoras de petróleo xisto dos EUA, antes prolíficas, a gastar o filão que ganharam com os altos preços deste ano em dividendos, e não em dispendiosas novas perfurações. mundial adicional acabaram.
Uma menor oferta de combustíveis fósseis por parte dos produtores poderia soar como boa notícia para o clima. Não o será, contudo, se isso induzir a um choque de preços como o enfrentado pela Europa com o gás, que obriga os governos a subsidiar o consumo. Além disso, os consumidores mostram poucos sinais de que abandonarão o petróleo no curto prazo.
Haverá dificuldades para que a oferta se mantenha. Uma recessão ou a liberação de mais petróleo emergencial podem até mascarar essa realidade por algum tempo. Mas isso só tornará o próximo ciclo de alta mais severo.
Fonte: Valor Econômico