Desenvolver catalisadores e processos catalíticos mais eficientes para gerar uma cadeia de transformação do dióxido de carbono (CO2), um dos principais gases de efeito estufa (GEE), em produtos de alto valor agregado. Essa é a meta do projeto que está sendo desenvolvido desde o ano passado no âmbito do Centro de Pesquisa para Inovação em Gases de Efeito Estufa (RCGI).
“Vamos tratar o CO2 como matéria-prima, como uma espécie de bloco de construção capaz de gerar uma série de produtos químicos que podem ser explorados comercialmente pela indústria”, explica Liane Rossi, professora titular do Instituto de Química da Universidade de São Paulo (IQ-USP) e coordenadora do estudo.
O primeiro passo do projeto, que tem como título “Desenvolvimento de rotas catalíticas para transformação de CO2 em produtos químicos e materiais”, é investigar quais catalisadores são capazes de converter CO2 nos chamados álcoois superiores, ou seja, que possuem pelo menos dois carbonos na estrutura da molécula, como é o caso do etanol (CH3CH2OH).
“Podemos dizer que o etanol produzido a partir do CO2 seria um etanol de terceira geração, sendo que o etanol de primeira geração é aquele obtido a partir da sacarose e o de segunda geração é aquele obtido a partir da celulose. O etanol, além de ser usado como combustível, pode ser transformado em produtos químicos, como por exemplo, monômeros para a produção de polímeros, ou comumente conhecidos como plásticos”, aponta Rossi.
“Monômero é a unidade base para a produção desses polímeros. Eles são macromoléculas feitas a partir da ligação dessas unidades base, formando cadeias moleculares, e por isso são sólidos e encontram muitas aplicações”.
A ideia dos pesquisadores é desenvolver processos catalíticos que possam ser inseridos nas cadeias industriais existentes, a exemplo das usinas de etanol, para contribuir para a mitigação das emissões de CO2.
“Neste caso, não pretendemos apenas aumentar a produtividade de etanol das usinas pela captura e conversão de CO2, mas modernizá-las, transformando-as em verdadeiras biorrefinarias”, aponta Rossi.
“A fermentação da cana-de-açúcar produz grande quantidade de CO2, que acaba sendo emitido para a atmosfera.
Capturar esse CO2 antes de ser emitido representaria um custo muito menor do que sequestrar CO2 que é diluído na atmosfera após a sua emissão.
Assim, o nosso objetivo é trabalhar com o CO2 antes de ser emitido, com captura na fonte geradora e conversão por meio da catálise em álcoois, como o etanol”.
O primeiro desafio é obter os álcoois a partir do CO2 e depois imaginar um mercado para esses álcoois e para produtos derivados deles.
“Há vários grupos de pesquisa que vêm pensando em outros usos para o etanol, para além do combustível que alimenta os veículos.
O Brasil, que é o segundo maior produtor de etanol no mundo, atrás apenas dos Estados Unidos, poderia ganhar muito se tivesse tecnologia para isso”.
O projeto vai focar na geração de quatro produtos: ácido acético (que é utilizado para fazer acetato), propeno (que permite fazer polímeros), além de butadieno e isobuteno, dois monômeros de borracha.
“A ideia é desenvolver tecnologias que possam fortalecer as usinas de etanol visando aumentar a produção de álcool e criar produtos derivados do etanol de terceira geração. A partir do butadieno, por exemplo, podem ser produzidas borrachas sintéticas que são usadas na fabricação de pneus”.
De acordo com Rossi, os produtos químicos derivados do etanol produzido a partir de CO2 terão as mesmas propriedades químicas, físicas e mecânicas daqueles produzidos pela indústria petroquímica (drop-in chemicals).
“Isso deve diminuir nossa dependência dos recursos fósseis e criar um processo circular e benéfico de carbono”, prevê Rossi.
Segundo a pesquisadora, o Brasil ainda não aproveita o CO2 de forma ampla, e emprega pouco o etanol como matéria-prima visando transformá-lo em produtos. Uma das exceções, diz, é a Braskem, que desde 2010 fabrica o polietileno apartir de etanol da cana-de-açúcar.
“Há também relatos de captura de CO2 da fermentação para uso na área de bebidas gaseificadas. Mas isso é muito pouco. Podemos e devemos ir além na busca de alternativas para captura e conversão de CO2”.
Desafios com a tecnologia — Engenheira química que trabalha com catálise há quase duas décadas na USP, Rossi não esconde o fascínio por essa tecnologia criada no século XIX.
“Catalise é um segmento da química que está presente em praticamente tudo o que a gente produz hoje por meio de processos industriais. A síntese da amônia, por exemplo, composto fundamental na produção de fertilizantes, é feita por meio da catálise, que combina nitrogênio (N2) e hidrogênio (H2)”, afirma.
De acordo com a especialista, embora a tecnologia seja antiga, só recentemente os estudos para a conversão catalítica de CO2 têm recebido mais atenção.
“Para nós, cientistas, o desafio é descobrir qual é o melhor catalisador para esse fim, fazendo um ajuste fino das propriedades dos materiais que servem de catalisadores”, conta Rossi. Um dos desafios da catálise é alcançar um alto grau de seletividade, o que significa produzir mais do produto desejado e menos subprodutos indesejados.
“Quando se trabalha com o catalisador adequado, em condições ideais de temperatura e pressão, é possível direcionar a reação para se obter o produto desejado”.
Segundo Rossi, em outro estudo recente, realizado em 2020 no âmbito do RCGI, a equipe de pesquisadores conseguiu obter uma seletividade de 98% para metanol (CH3OH) e uma conversão de 30% de CO2. Ou seja, 30% do dióxido do carbono utilizado no processo foi transformado em metanol, em uma reação química com hidrogênio, chamada hidrogenação, sem o uso de nenhum outro aditivo.
“O ponto chave da tecnologia foi utilizar um catalisador de óxido de titânio e óxido de rênio, baixa temperatura e alta pressão”, aponta a pesquisadora.
O objetivo agora é conseguir obter um resultado tão promissor quanto esse para a conversão de CO2 em etanol, cuja diferença se limita a um carbono a mais que o metanol, porém representa um grande desafio em termos da química envolvida e uma grande vantagem na aplicação.
A especialista ressalta que o projeto, cuja duração é de três anos, busca estabelecer os melhores catalisadores para o processo. Mas isso não coloca um ponto final na história.
“Para que a tecnologia possa ser adotada pelas indústrias, é preciso verificar se os resultados obtidos em laboratório se repetem com o aumento de escala e se compensam do ponto de vista financeiro. Para fazer isso, é importante atrair investidores, que podem ser privados, da própria indústria, ou então públicos, para transformar essas ideias em realidade”.
Fonte: RCGI
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