Sem uma rede de caminhões refrigerados, pecuaristas do Reino Unido passam a descartar o leite ordenhado e criam mais um desafio para o já complicado mercado local
Uma crise particularmente britânica eclodiu nos últimos dias com a interrupção no fornecimento de leite fresco ao mercado, como mostram várias reportagens da mídia local. A estimativa é de que tenham se perdido cerca de 4,5 milhões de litros de leite. Mas não foi porque as vacas pararam de ser ordenhadas ou porque os animais tiveram que ser abatidos por causa de alguma doença. E não foi, também, pela falta de armazenamento refrigerado na indústria láctea. Nada disso aconteceu desta vez.
Em vez disso, um dos maiores transportadores de leite do país entrou em processo de execução, o que é mais ou menos o mesmo que falência. A crise foi amplamente coberta pelo programa “Farming Today”, da BBC Radio 4. A companhia de logística Lloyd Fraser, com sede em Rugby, Warwickshire, possui instalações em Four Crosses, em Powys, bem como em Denbigh e Pontypool, em Torfaen. A empresa transporta leite para alguns dos maiores laticínios do Reino Unido, incluindo Muller e Arla.
Os administradores da Lloyd Fraser avisaram aos caminhoneiros que eles foram demitidos porque a empresa não estava mais em atividade. Mas esse não foi o fim da questão. Muitos pecuaristas rapidamente ficaram sem espaço de armazenamento de leite nas suas propriedades porque os caminhões refrigerados pararam de recolher o produto ainda fresco. Mas os produtores, ainda assim, tinham que ordenhar suas vacas todos os dias e precisavam de um lugar para colocar esse novo leite.
Desafios da cadeia leiteira no Reino Unido
De acordo com a NFU (National Farmers Union), há 7.500 produtores de leite no Reino Unido, com uma grande parte descontente com a atividade. No início deste ano, uma pesquisa da entidade com 600 produtores mostrava que cerca de 10% deles podem sair da atividade até 2025, principalmente os menores e mais afetados pela atual situação de mercado local.
Segundo dados do Defra (Department for Environment, Food & Rural Affairs), o Reino Unido, que antes da constituição do Brexit tinha o terceiro maior rebanho da UE (União Europeia), com 2,65 milhões de bovinos leiteiros, em dezembro de 2022 registrou apenas 1,86 milhão de animais. Atualmente, a UE possui 20,1 milhões de bovinos leiteiros, com Alemanha e França donas dos maiores rebanhos.
O que aconteceu com a parada dos caminhoneiros parece óbvio: os produtores descartaram o leite velho em tanques de chorume para dar lugar ao leite recém ordenhado. Um dos entrevistados do programa de rádio da BBC disse que era difícil estimar quanto de leite ainda precisaria ser destruído, mas afirmou que facilmente já teria chegado 4,5 milhões de litros – o que significa muitas xícaras de chá inglês com leite jogadas pelo ralo.
É claro que os produtores reclamaram aos administradores para que os caminhões voltassem à estrada para ajudar a levar o leite ao mercado. No entanto, tudo isto realça a fragilidade das cadeias de abastecimento agrícola, mesmo num país pequeno como o Reino Unido. A falência de uma empresa teve o efeito de impedir que os produtores de leite ganhassem a vida, interrompendo também o fornecimento às empresas alimentares e aos supermercados.
Além disso – e é aqui que a coisa fica muito britânica – a falta de leite poderia levar a um impacto negativo sobre a devoção pelo chá em todo o Reino Unido. Dizer que os residentes dessa região bebem muito chá é um grande eufemismo. Os britânicos tomam cerca de 100 milhões de xícaras de chá por dia, de acordo com a Associação de Chá e Infusões do Reino Unido. Em comparação, apenas 70 milhões de chávenas de café são consumidas diariamente na Grã-Bretanha.
Os britânicos também tendem a gostar do seu chá forte e leitoso, o que torna a recente interrupção no fornecimento de leite uma notícia maior do que em qualquer outro lugar da Europa, impactando o consumidor. Por exemplo, na França, muito café é bebido sem leite e, em comparação, o chá é um nicho de mercado.
Dada a pressão sobre as empresas, com custos crescentes provocados pela inflação e taxas de juro em alta, parece provável que outras companhias também comecem a sentir os efeitos do calor econômico. Isso poderia causar mais interrupções agrícolas, o que é particularmente preocupante quando se trata de produtos perecíveis, como leite, frutas e legumes frescos. A questão é o que pode ser feito para reduzir o risco da cadeia de abastecimento alimentar no Reino Unido? Não está claro o caminho e isso é uma preocupação ainda maior para o futuro.
Fonte: Forbes Agro
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