Diversidade de fontes de energia dá vantagens competitivas ao Brasil como produtor de combustível sustentável de aviação
A indústria da aviação tem dado passos importantes para alcançar o objetivo de zerar até 2050 a quantidade de gases liberados na atmosfera. Estima-se que o tráfego aéreo mundial represente cerca de 3% das emissões totais de CO2 – e a tendência é de aumentarem, considerando que os voos devem duplicar nas próximas décadas.
Hoje, segundo especialistas, um voo produz metade das emissões em relação a 1990. Ainda assim, são significativos os investimentos em pesquisa e desenvolvimento (P&D) para a produção, em larga escala, de Sustainable Aviation Fuel (SAF), combustível que poderá vir a substituir o querosene utilizado atualmente.
“O SAF pode reduzir as emissões de gases de efeito estufa em até 80% ao longo do ciclo de vida do combustível em comparação com o querosene de aviação convencional, dependendo da matéria-prima e do processo de produção utilizados”, explica Frederico Freitas, consultor do Instituto E+ Transição Energética.
É justamente essa diversidade de matérias-primas que pode dar ao Brasil a oportunidade estratégica de se posicionar como um grande produtor de SAF.
“Além de óleos vegetais e biomassa, o país conta com tecnologias que permitem a produção de SAF a partir de cana-de-açúcar, como o etanol de primeira e segunda gerações, e até de gases de efeito estufa capturados. Essa diversidade de fontes oferece ao Brasil vantagens competitivas, não apenas pela abundância desses recursos, como pela capacidade de desenvolver cadeias de valor sustentáveis e certificadas”, explica Clauber Leite, diretor de energia sustentável e bioeconomia do Instituto E+.
A perspectiva promissora de o Brasil se transformar em importante produtor também é compartilhada por Ana Mandelli, diretora-executiva de downstream do Instituto Brasileiro de Petróleo e Gás (IBP). Além do etanol como matéria-prima, ela cita óleos e gorduras vegetais e animais, resíduos sucroenergéticos, agrícolas e lenhosos, energia renovável (solar e eólica) e biomassa. “Entretanto, precisamos ser céleres nas definições legais, regulatórias, fiscais, tributárias e logísticas, transformando nosso potencial e ambições em realidade”, diz a diretora do IBP.
Na opinião Mandelli, a recente aprovação do Projeto de Lei 528/2020 (“Combustível do Futuro”) traz as principais definições legais e as premissas para a inserção do SAF na matriz brasileira de combustíveis, dando a tranquilidade jurídica, regulatória e econômica a empreendedores e investidores.
Leite, por sua vez, ressalta a necessidade também de algumas outras etapas serem vencidas para o desenvolvimento efetivo desse combustível no país. Segundo ele, esse processo não só exige a continuidade de investimentos em pesquisa e desenvolvimento como a construção de unidades produtivas, além da formação de um mercado, com alinhamento de oferta e demanda.
Precisamos ser céleres nas definições legais, regulatórias, fiscais, tributárias e logísticas”
Paulo Côrte-Real Neves, vice-presidente de trading da Raízen, estima que, para viabilizar uma planta industrial que produza, por exemplo, 1 bilhão de litros de SAF, o equivalente a 1,7 bilhão de litros de etanol, seriam necessários investimentos entre US$ 300 milhões e US$ 500 milhões. “A Raízen está estudando, com parceiros internacionais que estão em processo de viabilizar a produção de SAF em larga escala lá fora, a possibilidade de produzir esse combustível no Brasil com o uso de etanol de cana-de-açúcar como matéria-prima”, informa o executivo da companhia.
Côrte-Real Neves aponta que os estudos para a produção de SAF no Brasil ainda são incipientes. “O grande desafio ainda é a produção desse combustível em larga escala. Vencido isso, acredito que os passos seguintes serão bem mais rápidos”, diz. Para ele, a tarefa de transformar a molécula do etanol em molécula igual à do combustível fóssil utilizado hoje na aviação já foi vencida em laboratórios no exterior. Já se sabe que a produção de uma molécula de SAF demanda, por exemplo, 1,7 molécula de etanol. “A discussão agora está na sua escalabilidade.”
Estima-se que a demanda global por SAF atinja aproximadamente 20 bilhões de litros em 2030. Um quarto disso, ou 5 bilhões de litros, viria do etanol, e os restantes 75% de outras matérias-primas. Para conseguir produzir esses 25%, entretanto, o mundo precisaria de 9 bilhões de litros adicionais de etanol, que representam menos de 10% da produção global atualmente, de acordo com o executivo da Raízen.
“Do ponto de vista logístico, seria muito mais viável desenvolver a indústria de SAF próxima à produção, por exemplo, do etanol, do que exportar cargas para conversão para SAF em outros países”, acrescenta.
Côrte-Real Neves diz que a Raízen tem se preparado para atender a demanda de etanol para a produção de SAF no mundo. Segundo ele, a companhia recebeu no ano passado a certificação ISCC Corsia PLUS, que atesta ser a primeira produtora do mundo cujo etanol, gerado no parque de bioenergia Costa Pinto, em Piracicaba (SP), cumpre requisitos internacionais para a fabricação de SAF. O bioparque Gasa, em Andradina (SP), também obteve esse reconhecimento.
A Petrobras informa que planeja produzir SAF e diesel verde (Hydrotreated Vegetable Oil, ou HVO) em unidades de processamento de óleos vegetais e gorduras animais, matérias-primas consideradas 100% renováveis. De acordo com a assessoria da empresa, os projetos dessas unidades dedicadas à produção de HVO e SAF estão previstos no plano de negócios da companhia. Segundo a estatal, o programa BioRefino da companhia prevê investimentos de US$ 1,5 bilhão em refinarias para produzir combustíveis mais eficientes e sustentáveis.
Por:Vladimir Goitia Fonte: Valor Econômico
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