Em 1924, de forma pioneira no Brasil, Salvador Lyra, na Usina Serra Grande, em Alagoas, iniciou os primeiros testes para utilizar etanol como combustível. Nesse intuito, foi assessorado por Valdemar Pontes, na gerência da usina. Pouco tempo depois, resultou o lançamento do USGA, mistura de etanol, éter e óleo de rícino como combustível automotivo, com grande sucesso em várias cidades do Nordeste brasileiro.
Ao longo dos anos, descobrimos que o alcance dessa iniciativa visionária, que buscava independência energética a partir de uma fonte energética local, trouxe muitos outros benefícios à economia, ao emprego digno, ao meio ambiente, à saúde, ao desenvolvimento sustentável e à preservação da biodiversidade e dos recursos naturais, com biomassa impulsionando de forma virtuosa a produção de alimento.
Entre 1975 e 2023, foram substituídos 3,6 bilhões de barris de gasolina pelo etanol, um volume muito relevante para um país como o Brasil, que possui reservas provadas de petróleo e condensados, pelo critério US SECm de 10,9 bilhões de barris.
Esse volume representa uma economia de mais de 725 bilhões de dólares constantes de dezembro de 2023, levando-se em conta os custos da dívida externa evitada. Desde 1975, com o uso de etanol anidro e hidratado, apenas para o mercado combustível foram evitadas emissões de mais de 1 bilhão de toneladas de carbono, em CO2 equivalente. Foram gerados mais de 700mil empregos diretos e mais de 2 milhões de empregos indiretos, e houve benefícios à saúde e ao meio ambiente de grande valia pelo fato de o etanol ser isento de chumbo, de enxofre, não emitir material particulado e substituir aromáticos cancerígenos da gasolina.
O crescimento do uso do etanol, em mistura à gasolina e usado como combustível puro em frotas dedicadas e frotas flex, se deveu a uma verdadeira parceria tecnológica com a indústria automotiva, que, aproveitando as qualidades físicas do etanol, desenvolveu motores mais eficientes e com menores emissões. Surgiu também a motorização híbrida flex a etanol, que alia a eficiência do motor elétrico com a disponibilidade e infraestrutura de distribuição existente de combustível, ampliando a gama de opções à disposição dos consumidores.
Regulações modernas oferecendo incentivo e proteção ao desenvolvimento de tecnologias na produção de veículos e de biomassa para produção de etanol também foram cruciais para o seu sucesso econômico e tecnológico. Criamos a precificação de carbono em mercado, com certificação individual de intensidade de carbono, colocando o etanol no centro da estratégia brasileira de descarbonização.
Com absoluta vanguarda mundial, e abraçando o que há de mais moderno e definitivo em ciência, adotamos a avaliação do ciclo de vida para regular e incentivar maior eficiência e menor emissão de carbono.
Este ano, comemoramos 100 anos do uso do etanol no Brasil. Uma iniciativa que permite adoção imediata, é replicável, escalável, acessível em preço e tem sido replicada em mais de 70 países, incluindo os Estados Unidos, e muitos outros países das Américas, Europa e Ásia, como Índia, Tailândia, Indonésia, e agora também a China.
Os consumidores têm valorizado e respondido com sua adesão. No Brasil, o etanol já substitui quase metade de toda a gasolina consumida, com uma produção de biomassa que ocupa de forma responsável menos de 1% de nossas terras.
A diversificação iniciada com o etanol 100 anos atrás também se estendeu para a energia firme da bioeletricidade, a produção de etanol de segunda geração, o biogás e o biometano, as leveduras, a integração entre a cana e milho, o DDG e óleo, os vários usos do bagaço, a captura e uso do CO2 biogênico para combustíveis sintéticos, e tantos outros produtos. Com o etanol e o biodiesel estamos intensificando a pecuária, alavancando a produção de proteína animal de qualidade a custos competitivos.
Como excelente carregador de hidrogênio, com a distribuição de etanol já temos instalada uma rede de distribuição de mais de 42 mil postos de hidrogênio num país de dimensão continental.
Celebramos a visão, a coragem e o trabalho incansável de todos os que têm contribuído para o sucesso dessa iniciativa, reconhecida mundialmente como estratégica e hoje imprescindível para a mobilidade e a distribuição de energia, em terra, mar e ar.
Através da bioenergia e dos biocombustíveis, ainda há muito o que evoluir. Estamos apenas no começo!
Por: Plínio Nastari
Presidente da DATAGRO Ltda., a principal empresa de consultoria do Brasil em análise de mercado de açúcar e etanol, oferecendo serviços de consultoria para produtores, bancos, tradings, distribuidoras de combustível e governos, com escritórios em São Paulo, Recife e Santos.
Ex-Presidente do Conselho e Diretor Executivo da Associação Brasileira de Engenharia Automotiva. Membro de Comitês Técnicos na Comissão Nacional de Energia (1985/87), Comissão para Reexame da Matriz Energética (1990/91) e Conselho Interministerial de Açúcar e Álcool (1998-2000). Autor principal do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC), AR2.
Economista especializado para o Brasil em disputas comerciais que envolveram: exportação de etanol do Brasil para os Estados Unidos, na Comissão de Comércio Internacional em Washington, DC (1985/86); exportações de açúcar subsidiado pela União Europeia, na Organização Mundial do Comércio, em Genebra (2002-05); duas arbitragens sobre bananas com a União Europeia, na Organização Mundial do Comércio, em Genebra (2005); e regime de importação de pneus brasileiros, na Organização Mundial do Comércio, em Genebra (2006-07).
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