Para o executivo, o Brasil tem grande potencial de expansão no segmento
O setor sucroenergético brasileiro enfrenta um momento de muitas transformações, marcado por desafios climáticos e novas tecnologias. Com uma produção que tem papel relevante na matriz energética, o segmento lida com questões como incêndios florestais, avanços em biocombustíveis e políticas públicas para garantir a sustentabilidade.
Diretor de inteligência setorial da União da Indústria de Cana-de-Açúcar e Bioenergia (Unica), Luciano Rodrigues, compartilhou com a Dinheiro Rural suas perspectivas sobre a produção de cana, etanol e açúcar, além de discutir o impacto das inovações tecnológicas, como a produção de combustível sustentável de aviação (SAF) e das últimas mudanças regulatórias, como a recente assinatura da lei do Combustível do Futuro.
Qual é o cenário econômico para a indústria de cana-de-açúcar brasileira no curto e médio prazo?
O setor enfrenta um momento de ajustes devido às condições climáticas adversas e aos impactos dos incêndios. A Companhia Nacional de Abastecimento (Conab) projeta uma produção de cerca de 689,8 milhões de toneladas para a safra 2024/25, uma queda de 3,3% em relação ao ciclo anterior. Esse cenário reflete os altos índices de temperatura e a baixa precipitação, especialmente na região Centro-Sul. No médio prazo, acreditamos que as iniciativas de inovação tecnológica e a adaptação às mudanças climáticas poderão melhorar a produtividade.
Os incêndios recentes afetaram significativamente a produção de cana. Quais são os impactos econômicos estimados?
Os incêndios, que afetaram mais de 390 mil hectares, podem causar uma quebra de até 15% na produção, gerando prejuízos superiores a R$ 2,5 bilhões para o setor. As áreas atingidas incluem São Paulo, Minas Gerais e Goiás, e esses eventos causam perda de produtividade, pois afetam canaviais em estágios diferentes de maturação. A queima da cana, especialmente quando próxima do ponto de colheita, impacta diretamente a qualidade e o rendimento do ATR (sigla para açúcares totais recuperáveis).
Ainda há incidência de queima de palha em terrenos planos? Como a Unica vê essa prática e as políticas públicas relacionadas?
Em regiões planas, como no estado de São Paulo, a prática de queima de palha é proibida e a colheita é 100% mecanizada. No entanto, em áreas com relevo irregular, como no Nordeste, essa prática ainda ocorre devido às limitações tecnológicas para a mecanização. As políticas públicas têm evoluído, mas é necessário um maior investimento para que novas tecnologias sejam acessíveis e que a transição para a colheita mecanizada ocorra de forma mais rápida.
A mecanização no setor atingiu 93%. Quais são as perspectivas para o Nordeste, que apresenta o menor índice?
O Nordeste ainda tem um grande desafio devido ao relevo irregular, que impede a utilização das máquinas atuais. Algumas empresas, especialmente chinesas, desenvolvem equipamentos para terrenos com até 40% de inclinação, o que pode mudar essa realidade no futuro. A mecanização é essencial para reduzir custos e aumentar a eficiência, mas ainda falta mão de obra especializada e tecnologias mais acessíveis para regiões como essa.
O Brasil discute a cana-de-açúcar como parte do programa Combustível do Futuro. Qual a expectativa da Unica para a produção de SAF no país?
O SAF é uma aposta importante para o setor. Estima-se que o mercado global de aviação precisará de 450 bilhões de litros desse combustível até 2050 para cumprir as metas de descarbonização. O Brasil tem potencial para ser um grande produtor, aproveitando a matéria-prima renovável de baixo carbono, como o etanol. Para produzir um litro de SAF, é necessário 1,7 litro de etanol. Vemos essa como uma oportunidade para expandir o portfólio do setor. Além do etanol, exploramos o uso de outros resíduos, como óleo vegetal e resíduos urbanos.
Como você vê o papel da cana no futuro dos biocombustíveis, considerando a transição energética global?
A bioenergia já representa 20% da matriz energética brasileira e a cana-de-açúcar é uma das principais fontes. O Brasil utiliza apenas 1% da sua área para essa produção, o que mostra nosso potencial de expansão sem comprometer outras áreas ou gerar desmatamento. As usinas são certificadas e passam por auditorias externas para garantir essa sustentabilidade. Acreditamos que, com novas tecnologias e variedades transgênicas mais produtivas, poderemos dobrar a produtividade nos próximos 20 anos.
A safra atual sofreu com efeitos climáticos. Como o setor está lidando com essa questão?
A safra 2024/25 foi impactada por déficit hídrico e altas temperaturas, especialmente na região Centro-Sul. Esses fatores reduziram a produtividade média em 7,4%, e a colheita de canaviais mais envelhecidos aumentou os custos de produção. As novas tecnologias, como o uso de drones e imagens de satélite, têm ajudado a monitorar lavouras e otimizar o uso de insumos, mas ainda temos um longo caminho para mitigar os efeitos climáticos.
Quais são os principais avanços em relação à utilização de resíduos da produção de cana?
Temos investido na produção de energia a partir de bagaço e palha, além do biogás e biometano. O setor vem explorando também a produção de combustíveis biomarítimos e hidrogênio. As plantas estão ampliando seu portfólio para descarbonizar o transporte e a indústria. A inovação permite que, além do açúcar e do etanol, utilizemos esses resíduos para gerar eletricidade e outras formas de energia renovável.
Como a Unica avalia a Reforma Tributária em discussão no Brasil e seu impacto no setor sucroenergético?
A reforma tributária pode trazer desafios, mas também oportunidades para o setor. A simplificação dos tributos pode reduzir os custos de produção e aumentar a competitividade do etanol frente a outros combustíveis. No entanto, precisamos garantir que as especificidades do setor sejam consideradas para que não haja aumento de carga tributária, o que afetaria a sustentabilidade financeira das usinas.
Quais inovações tecnológicas estão em andamento para tornar a cadeia produtiva mais eficiente?
Estamos investindo em bioinsumos, variedades transgênicas e no uso de inteligência artificial para monitorar lavouras. O controle biológico, com vespas que combatem pragas, como a broca da cana, tem se mostrado eficaz. Além disso, as novas tecnologias de mapeamento e monitoramento em tempo real permitem ajustes rápidos e precisos, otimizando o uso de herbicidas e fertilizantes.
Qual é a expectativa do setor para o longo prazo, considerando as metas de transição energética e inovação?
A expectativa é positiva. Estamos expandindo nossa capacidade de produção e diversificando os tipos de produtos energéticos, como o etanol de segunda geração, o biogás e o SAF. Com um portfólio mais amplo e a exploração de novas tecnologias, como o hidrogênio produzido a partir do etanol, temos um potencial enorme para contribuir com a descarbonização global e nos posicionarmos como líderes em energia renovável.
A Unica tem metas específicas para os próximos anos?
Nosso objetivo é continuar a expandir sem aumentar áreas cultivadas, mantendo o compromisso com a sustentabilidade. O CTC (Centro de Tecnologia Canavieira) tem metas ambiciosas de dobrar a produtividade da cana nos próximos 20 anos e a engenharia genética será crucial nesse processo. Buscamos maximizar a produção com responsabilidade ambiental, integrando novas tecnologias e promovendo uma agricultura mais sustentável.
Quais são os principais desafios para que isso aconteça?
Os desafios incluem adaptar o setor às mudanças climáticas, ampliar o acesso à tecnologia e garantir que as políticas públicas continuem apoiando o desenvolvimento sustentável. Também é necessário investir em capacitação de mão de obra e em tecnologias que permitam a mecanização em regiões de relevo complexo. Se conseguirmos superar essas barreiras, o setor tem potencial para continuar crescendo e contribuindo para a matriz energética do País e para a economia global.
A produção de cana transgênica é uma das inovações no setor. Como ela impacta a produtividade?
Lançamos a cana transgênica há quatro anos e ela tem mostrado resultados promissores em ambientes com restrições climáticas. A engenharia genética permite desenvolver variedades mais resistentes a pragas e a condições climáticas adversas, o que pode dobrar a produtividade no longo prazo. Isso coloca o Brasil na vanguarda da inovação agrícola, e estamos otimistas com as possibilidades de expandir esse tipo de tecnologia para outras culturas e regiões.
E quanto ao uso de inteligência artificial (IA) no setor?
A IA está revolucionando o gerenciamento das usinas. Com ela, conseguimos monitorar pragas, controlar o uso de insumos e otimizar a colheita de forma muito mais eficiente. As imagens de satélite, associadas a sensores em campo, nos permitem identificar áreas que precisam de intervenções específicas, reduzindo custos e melhorando a produtividade. Acreditamos que, com o avanço dessas tecnologias, o setor continuará a se modernizar, garantindo maior sustentabilidade e eficiência operacional.
Por: Allan Ravagnani Fonte: Dinheiro Rural
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