A tônica do debate global sobre como alcançar a neutralidade climática até 2050, coração do Acordo de Paris, que visa limitar o aumento da temperatura global em no máximo 1,5ºC, exige se debruçar sobre como promover a tão almejada transição energética. Vale ponderar que 72% das emissões globais de gases de efeito estufa (GEEs) advêm do setor de energia.
O “World Energy Outlook 2022”, da International Energy Agency, estima investimentos em energia limpa de mais de US$ 2 trilhões por ano até 2030, considerando as metas climáticas apresentadas pelos países por meio de suas contribuições nacionalmente determinadas, conhecidas como NDCs.
O plano de implementação de Sharm El-Sheikh, aprovado na COP-27, em 2022, aponta que são necessários US$ 4 trilhões de investimentos anuais em energias renováveis até 2030. Para o “World Energy Transitions Outlook 2023”, são necessários investimentos da ordem de US$ 5 trilhões anuais para que seja possível atingir a meta de neutralidade climática.
Todas as 166 NDCs submetidas pelos países até setembro de 2022 sugerem ações climáticas no setor de energia, o que enseja catalisar políticas que fomentem a geração de energia elétrica, eficiência energética, melhorias na transmissão de energia e fontes energéticas para transporte. Vale apontar que 58 países consideram o uso de biocombustíveis como parte de suas ações.
Neste cenário, é relevante questionar qual será o papel dos biocombustíveis como estratégia de descarbonização da matriz de transportes e de geração de energia elétrica no Brasil.
Em 2022, o consumo de biocombustíveis somou 26,74 bilhões de litros de etanol (anidro e hidratado) e 6,19 bilhões de litros de biodiesel. De acordo com o Plano Decenal de Energia (2022), a demanda por biocombustíveis vai alcançar 54,7 bilhões de litros em 2030, sendo 43 bilhões de litros de etanol e 11,7 bilhões de litros de biodiesel.
Como política de estímulo aos biocombustíveis, que favorece a eficiência na produção ao precificar o carbono nos ciclos produtivos, o RenovaBio é uma estratégia brasileira para catalisar a descarbonização no setor de transportes.
Entre março de 2003 e maio de 2020, o consumo de etanol evitou a emissão de mais de 515 milhões de toneladas de CO2eq, de acordo com cálculos da União da Indústria de Cana-de-Açúcar e Bioenergia (Unica), baseados em dados da Agência Nacional de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP).
Em meio a visões de que a eletrificação dos transportes é a saída para a descarbonização, é estimulante observar as movimentações no mercado de biocombustíveis. Para tanto, é válido considerar que o debate atual envolve, além da diversificação de matérias-primas, avanços nas tecnologias de produção, biocombustíveis de 2ª geração, combustíveis de aviação sustentáveis ou “sustainable aviation fuels” (SAFs), produção de hidrogênio verde, geração de eletricidade a partir de biomassa e biogás gerados pelos insumos usados na produção de biocombustíveis, produção de grãos secos por destilação (DDG) para ração animal, dentre outros fatores.
Na prática, o Brasil deixou a primeira onda dos biocombustíveis e gerou uma enorme bagagem de aprendizados tecnológicos que permitem com que o País tenha, além dos carros flex e dos motores e ônibus a biodiesel, uma matriz de inovação composta por etanol avançado, SAF, biogás para eletricidade e transporte, biometano, que substitui o uso de diesel, bioeletricidade e, em um futuro próximo, hidrogênio verde.
Reduzir as emissões de GEEs é um cobenefício dessa matriz de energias renováveis baseadas nos biocombustíveis. O grau de inovação das novas plantas reflete o que se denomina economia circular, onde todos os insumos e coprodutos são utilizados e geram diversos produtos renováveis.
É preciso, ainda, considerar os benefícios socioeconômicos gerados pelos biocombustíveis, afinal, há uma inerente correlação entre os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável: ODS13 (mudanças do clima), ODS7 (segurança energética), ODS9 (indústria, inovação e infraestrutura), ODS 11 (cidades e comunidades sustentáveis), ODS 2 (segurança alimentar), dentre outros.
Basta observar a trajetória do etanol de milho tropical, que há apenas alguns anos basicamente não existia. Na safra 2022/23 foram produzidos aproximadamente 4 bilhões de litros de etanol de milho e em 2030 espera-se alcançar 9 bilhões de litros. A Empresa de Pesquisa Energética (EPE) prevê 33 novas usinas de etanol de milho até 2032. O etanol de milho brasileiro usa milho da 2ª safra, o que traz ganhos expressivos no balanço de GEEs, além de agregar biomassa de eucalipto e outras fontes.
Na agenda de SAF, o Brasil possui o ProBioQAV como política pública, que visa incentivar a produção e o consumo de SAF baseado em mandato para reduzir as emissões pelos operadores aéreos, incentivos à inovação para produção de SAF e diretrizes para o subsídio à pesquisa e ao desenvolvimento, logística, tributação, governança e metas de descarbonização.
O ímpeto de investimentos no setor não se restringe ao Brasil. A “Honeywell International” e o “Summit Agricultural Group” anunciaram recentemente construção da maior planta de SAF do mundo, somando US$ 1 bilhão, para produzir a partir de etanol de várias fontes. Na Europa, o “World Fuel Services” e o “Neste” assinaram acordo para ampliar a produção de SAF, saltando de 13 para 40 aeroportos abastecidos.
O mantra da descarbonização passa pela criação de políticas que estimulem novos negócios e investimentos de baixo carbono. A nova onda dos biocombustíveis inaugura uma fase exponencial de desenvolvimento de baixo carbono, de empregos verdes, de inovação de ponta.
Vale considerar, ainda, que a descarbonização propiciada por esses investimentos em transição energética para geração de energia elétrica e transportes dará, às empresas brasileiras, capacidade de produzir com menos emissões de GEEs. Em tempos de medidas de carbono na fronteira, isso é um diferencial competitivo que não pode ser menosprezado.
A meta climática brasileira tem nos biocombustíveis um aliado enorme para descarbonizar emissões de transporte e da geração de eletricidade. A nova onda dos biocombustíveis no Brasil contribuirá significativamente para as metas climáticas do País e, muito além disso, fortalecerá a economia e o desenvolvimento brasileiros.
Rodrigo C. A. Lima
Sócio-diretor da Agroicone, advogado, doutor em Direito das Relações Econômicas Internacionais pela PUC-SP, possui 19 anos de experiência em comércio internacional, meio ambiente e desenvolvimento sustentável no setor agropecuário e de energias renováveis
Fonte: Broadcast
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