Companhia fez captação de R$ 261,98 milhões para o pagamento de credores que optaram por receber após a liquidação de uma das unidades do grupo
Em novembro do ano passado, os acionistas da Clealco se reuniram em assembleia para discutir a “implementação da proposta alternativa para viabilizar a superação da crise econômico-financeira da companhia”. O plano em questão – que foi aprovado por unanimidade – envolve, em especial, a emissão de debêntures no valor de até R$ 261,98 milhões.
A ata da reunião, contudo, foi tornada pública apenas em abril, após a decisão dos acionistas passar pelo crivo de um grupo de credores e de um juiz. A partir deste momento, a companhia estruturou a emissão, que foi oficialmente anunciada ao mercado nesta segunda-feira, 22, após o levantamento dos recursos junto a dois fundos nacionais de private equity, ambos ligados ao setor agrícola.
Embora os nomes dos fundos não tenham sido divulgados até o momento, fontes ouvidas pelo Valor Econômico acreditam ser o Copa, da Copa Investimentos, e o Credit Opportunities I, uma parceria entre Itaú Asset Management e Almagestum Capital.
“Nós captamos uma estrutura de DIP Finance com esses fundos e fizemos uma proposta de solução dos créditos. Com isso, não há mais necessidade da venda de nenhum ativo operacional”, relata o CEO da Clealco, Gustavo Henrique Rodrigues, em entrevista exclusiva ao NovaCana realizada na última sexta-feira, 19.
Ele ainda acrescenta: “O dinheiro entrou na nossa conta e, ontem [quinta-feira, 18], já foi direto para os bancos”. Segundo o executivo, o fluxo dos recursos do DIP é simples, pois, com o dinheiro em conta, a companhia paga imediatamente aos credores. “E, agora, devemos pagar o financiamento”, conclui.
Em recuperação judicial desde 2018, a Clealco fez diversas tentativas de vender uma de suas unidades nos últimos anos. A empresa também chegou a aprovar alterações em seu plano, com a flexibilização de regras relacionadas à negociação das usinas.
A emissão de debêntures surge justamente neste contexto. A proposta da sucroenergética apresentada em novembro de 2022 já previa utilizar os recursos para pagar àqueles que optaram por receber após a venda de uma usina.
Desta forma, outros credores não estão incluídos neste momento e, segundo a Clealco, devem continuar a receber conforme as regras já acordadas. “O plano proposto e aprovado está em cumprimento; isso é só uma etapa. Os demais [credores] continuam com o seu rito de pagamento normal”, esclarece Rodrigues.
Fim da recuperação judicial e o futuro da companhia
A estratégia da Clealco remonta à adotada pelo grupo Moreno, que se utilizou de um DIP Finance para encerrar sua recuperação judicial em 2022.
Para Rodrigues, a expectativa é que a Clealco saia oficialmente da recuperação ainda em 2023. “Já solucionamos 80% ou mais do saldo da recuperação judicial; vai ficar 20%. Tecnicamente, podemos sair”, afirma, mas pondera: “Isso ainda depende de questões jurídicas, que às vezes fogem do nosso controle. Mas acredito que, até o final do ano, teremos condições”.
“A recuperação judicial da Clealco é muito limpa. Ela não tem grandes discussões. Todos os créditos foram renegociados e estão sendo pagos”, Gustavo Henrique Rodrigues (Clealco)
O executivo ainda observa que, durante o período da recuperação judicial, além de buscar equacionar a alavancagem da empresa – o que, segundo ele, deve acontecer com a emissão –, foi feita uma “remodelagem operacional”. O objetivo é fortalecer a operação da sucroenergética e colocar em operação um processo de melhoria contínua.
“Em 2019, a empresa estava moendo 4 milhões de toneladas de cana e, agora, já estamos em 7 milhões de toneladas; um aumento de 70% em três safras. E, nos últimos três anos, geramos mais de R$ 350 milhões de lucro líquido acumulado”, destaca.
Assim, segundo o CEO, a Clealco estaria “totalmente preparada” para os próximos passos. “Buscamos crescimento, mas, obviamente, com o pé no chão. O nosso maior objetivo é crescer organicamente dentro do nosso potencial local”, afirma e segue: “Temos capacidade ociosa, mas não muita. Também temos potencial para crescimento de moagem nas plantas nos próximos dois anos, com poucos investimentos”.
O caminho até a emissão das debêntures
Segundo a decisão proferida pela justiça em abril, à qual o NovaCana teve acesso, a Clealco apresentou um acordo de reestruturação que envolveria a emissão de debêntures conversíveis em ações. A operação deve ser utilizada para viabilizar a obtenção de um financiamento na modalidade Debtor in Possession Financing (DIP) entre R$ 27,83 milhões e R$ 261,98 milhões.
Segundo o documento, a proposta funcionaria como uma nova forma de pagamento para os chamados “Credores UPI”. Este grupo é formado por aqueles que, em 2020, optaram por receber o valor vindo da venda, total ou parcial, de uma das unidades da Clealco. O texto do plano de recuperação, porém, também abre espaço para outras formas de captação de recursos, como novas dívidas, operações no mercado de capitais, aumento de capital social, fusões e aquisições.
Ainda assim, a opção pela alternativa dependeria de uma avaliação dos credores. Conforme a decisão judicial, houve uma reunião com a presença das empresas que somam o equivalente a 97,6% das dívidas dos Credores UPI: Itaú Unibanco, Bank of America, FIDC PCG-Brasil e Santander. Nesta ocasião, o grupo aceitou a proposta da Clealco, permitindo a emissão das debêntures.
Com isso, a sucroenergética ficaria livre da obrigação de vender uma de suas unidades. “Sendo os Credores UPI, que aprovaram expressamente a proposta alternativa, os principais interessados nas alterações, a homologação é a medida que se impõe”, conclui o juiz.
De acordo com o CEO da Clealco, quando a companhia entrou em recuperação judicial, cerca de 90% da dívida estava comprometida com três bancos – Itaú, Bank of America e Santander. Segundo ele, esta participação se alterou ao longo dos anos especialmente por conta da variação cambial, uma vez que boa parte dos valores estariam vinculados ao dólar.
Garantia inclui ações da empresa
De acordo com a ata da reunião dos acionistas da Clealco, as debêntures da companhia são conversíveis em ações – o que deve acontecer apenas caso a sucroenergética não realize os pagamentos previstos –, contando com garantia real e com garantia adicional fidejussória. A emissão é em série única, no valor de até R$ 261,98 milhões.
Também foi estabelecido que os papéis seriam divididos igualmente entre dois investidores – ou seja, cada um pagou R$ 130,99 milhões por dez debêntures. Além disso, para segurança adicional em caso de calote, há três bônus de subscrição por debênture. Como cada um dos papéis tem o valor de R$ 13,09 milhões, a emissão se restringe a 20 debêntures e 60 bônus.
A partir destes bônus poderão ser obtidas ações da companhia, que representarão até 50% do capital social total da Clealco, mais 40 ações ordinárias. A divisão ocorrerá da seguinte maneira: cada debênture gerará dois bônus para ações e um para 2,5% do capital social. Considerando que haverá dois investidores, cada um ficará com até 20 ações e 25% do capital social.
“Essas debêntures são conversíveis em caso de default. Se a companhia não pagar o crédito, elas podem ser convertidas. Mas se não, não”, reforça o CEO da Clealco. “Não há mudança na sociedade. A estrutura societária de capital da companhia permanece exatamente a mesma, em governança e gestão”.
“É uma dívida pura. Mas, para dar mais conforto aos fundos, foi feita emissão de debêntures conversíveis [em ações]. Em caso de default, pode ser executada”, Gustavo Henrique Rodrigues (Clealco)
Na reunião de novembro, os atuais acionistas renunciaram ao direito de utilizar os bônus. Eles também aceitaram que o prazo de vencimento das debêntures seja 15 de setembro de 2027.
Ainda conforme o documento, o valor das debêntures será atualizado pela variação do Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) e contará com amortizações anuais a partir de 15 de setembro de 2024. Já a remuneração aos investidores será de 30% ao ano sobre o valor atualizado, com desconto de 15% para a quitação em dia; neste caso, o primeiro pagamento está previsto para 15 de setembro deste ano.
Também de acordo com a Clealco, não será contratada uma agência de classificação de risco para a emissão das debêntures. “As debêntures terão expressa preferência sobre todos os demais créditos devidos pela emissora e pelos fiadores”, completa a ata da companhia.
Além disso, o documento prevê um resgate antecipado obrigatório dos papéis em caso de venda de um ativo com valor individual acima de R$ 5 milhões. Outra regra detalha circunstâncias para amortizações extraordinárias obrigatórias.
Mudanças no conselho e no capital social
Na mesma reunião, os acionistas da Clealco também aceitaram a renúncia de dois membros do conselho de administração da companhia, Edson Pizzo e Guilherme Pizzo Padovese. Consequentemente, eles aprovaram a redução do número de membros, que passou de sete para cinco pessoas.
Outro assunto em pauta era o aumento do capital social autorizado da empresa. Os acionistas concordaram em subir o valor de R$ 100 milhões para R$ 350 milhões, um acréscimo de R$ 250 milhões.
Ao mesmo tempo, eles aceitaram que o pagamento de dividendo mínimo fosse reduzido de 25% para 0,5% do lucro líquido anual ajustado.
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