No Brasil, as montadoras ainda divergem sobre qual deve ser o modelo hegemônico no futuro, mas apostam em soluções elétricas e movidas a biocombustíveis, como o caso dos veículos híbridos. Fatores como o alto custo da transição tecnológica, que exige volumes de investimentos vultuosos, e a incerteza sobre a demanda atravancam os planos do setor. Mesmo assim, montadoras estão correndo atrás das novas tendências.
Duas fabricantes, Toyota e Caoa Chery, já produzem modelos híbridos que utilizam etanol. Outras fabricantes, como a Stellantis (dona da Jeep, Peugeot, Citroën e outras marcas), a Volkswagen e a Nissan já anunciaram planos para produzir esse tipo de automóvel no futuro. Ainda indecisa, a Renault estuda o desenvolvimento do modelo. Em direção contrária, a General Motors aposta nos elétricos e rejeita os híbridos.
Essas companhias estão de olho em um filão de mercado: o de veículos menos poluentes. Se para a Europa e Estados Unidos, os elétricos parecem a melhor alternativa, especialistas apontam que os híbridos a etanol podem fazer mais sentido por aqui, já que a produção local do biocombustível é ampla e acessível.
“Pelo know-how do Brasil na área dos biocombustíveis, acreditamos que um modelo que combine isso com a eletrificação deve ganhar escala no país”, afirma a diretora de Sustentabilidade da Toyota na América Latina, Viviane Mansi. A Toyota foi a primeira no mundo a produzir um híbrido, o Prius, na década de 1990. O modelo movido a etanol e eletricidade chegou ao mercado, no modelo Corolla sedan, em 2019, e depois, em 2021, no SUV (Cross). Os produzidos aqui, nas fábricas de Sorocaba e Indaiatuba (SP), são também exportados para 22 países.
Conforme Mansi explicou em entrevista ao Prática ESG durante visita à fábrica de Sorocaba, a montadora trabalha hoje com quatro tecnologias como parte de seu planejamento estratégico: híbrido flex, híbrido plug-in, elétricos e células de combustível a etanol. O CEO da Toyota no Brasil, Rafael Chang, já afirmou em entrevista à imprensa que a expectativa da montadora é que todos os modelos, em nível global, tenham opção eletrificada até 2025. A companhia pretende também zerar as emissões de CO2 em suas plantas no mundo até 2035, o que inclui o Brasil.
A montadora fechou ainda uma parceria em maio com a White Martins para testar a tecnologia das células de combustível de hidrogênio embarcadas no modelo Mirai, importado do Japão. A Toyota ainda não possui tecnologia para a fabricação desse modelo no país e tampouco existe infraestrutura para abastecimento do automóvel, mas seu movimento mostra que o setor despertou para as novas tendências.
A Nissan também está testando a célula de combustível, mas utilizando etanol. Em junho renovou a parceria com o Instituto de Energia e Pesquisas Energéticas e Nucleares (IPEN) para desenvolver uma nova tecnologia que usa etanol para gerar energia elétrica dentro do motor e sem necessidade, portanto, de postos de recarga elétrica, uma alternativa ao gargalo de infraestrutura. O desafio agora do projeto do SOFC (sigla em inglês para Célula de Combustível de Óxido Sólido) é diminuir o tamanho do sistema e aprimorar o funcionamento.
Na estratégia da companhia, chamada de Ambition 2030, está o desenvolvimento de 23 modelos eletrificados até 2030, dos quais, 15 são puramente elétricos. A expectativa é que até metade de suas vendas já sejam de modelos híbridos e elétricos até lá. Em conversa com o Prática ESG em evento na fábrica em Resende (RJ), o presidente da Nissan Mercosul e diretor geral da Nissan no Brasil, Airton Cousseau, disse ao Prática ESG não acreditar na prevalência de um modelo em específico. “Não sei se vamos ter uma tecnologia dominante em termos de propulsão de veículos. Acho que vamos ter os 100% elétricos, híbridos, híbridos plug-in, convivendo juntos”, avalia.
No Brasil, a montadora importa os automóveis, como é o caso do Leaf. A bateria do modelo é de recarga bidirecional, ou seja, além de mover o carro, pode voltar para a rede elétrica ou carregar aparelhos elétricos. Desde 2018 tem uma parceria com a Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) para testar soluções para a destinação das baterias já usadas em seus automóveis, um importante ponto de atenção quando se fala de elétricos. Em um dos projetos testa, por exemplo, as baterias para armazenar energia de postes de luz solar.
“Não é só carro elétrico que não emite CO2; trazemos inovação no Leaf com as baterias bidirecionais, que podem carregar alguns eletrodomésticos e até servir como equipamento para DJs, como mostramos no ano passado”, afirma Ana Silva, gerente de Sustentabilidade e presidente do Instituto Nissan. Em 2020, a Nissan firmou uma parceria com a locadora Movida para a inserção do Leaf na frota de veículos a serem alugados. A companhia foca agora em melhorar seu pós-venda.
O preço ainda é um impeditivo para a popularização de novos formatos. O mais em conta no mercado dos elétricos é o da montadora Caoa Chery: o iCar, importado da China, começou a ser comercializado por R$ 139,9 mil em junho. “Veículos eletrificados sempre tiveram valor agregado muito alto. Então, tínhamos que levar aos consumidores uma opção viável. Ainda não conseguimos fazer isso nos veículos de entrada, mas fazemos nos veículos médios, com preços muito competitivos. Além disso, para cada veículo a combustão, temos um similar elétrico. Damos o direito ao consumidor escolher o produto que quiser”, afirma o CEO da CAOA, Mauro Correia.
Em junho, a montadora anunciou que iria fabricar os híbridos em sua fábrica de Anápolis (GO), onde produz também elétricos, após anunciar que a unidade de Jacareí (SP) será adaptada para a fabricação de veículos elétricos nos próximos anos.
Para Correia, dadas as condições de energia e infraestrutura do país, os híbridos saem na frente dos elétricos, “A utilização do veículo puramente elétrico requer infraestrutura adequada, custo menor de tecnologia e interesse do consumidor. “No caso brasileiro, se considerarmos toda a cadeia de valor de um veículo eletrificado, desde a energia que ele vai utilizar até a reciclagem dos componentes, o carro híbrido a álcool é o que menos produz carbono. Em países onde a energia não é limpa, o híbrido elétrico ganha com vantagem larga”, afirma.
Fonte: Valor Econômico