O novo presidente da Petrobras, Jean Paul Prates, conta com a criação de um fundo para tentar frear a alta dos preços dos combustíveis nas bombas e reduzir o impacto da volatilidade dos derivados do petróleo, do gás de cozinha e do gás natural para o consumidor final. Especialistas alertam, porém, que o mecanismo deveria se restringir ao diesel devido ao alto custo para os cofres públicos.
A proposta já foi aprovada no Senado no início de 2022, com relatoria do próprio Prates, então senador (PT-RN). Agora, o projeto deve voltar à pauta na retomada do ano legislativo, em fevereiro, quando tramitará na Câmara.
A interlocutores, Prates defende que o mecanismo da chamada Conta de Estabilização — abreviada na sigla CEP-Combustíveis — seria a melhor opção de curto prazo para os combustíveis. O mecanismo seria capaz de conferir preço aceitável pelo consumidor final, mas sem punir produtores e importadores, recompensados pela conta.
Já no médio e longo prazos, a saída avaliada pela Petrobras seria aumentar a capacidade de refino da estatal. Isso reduziria a exposição do mercado brasileiro às variações das cotações internacionais, porque eliminaria a dependência de derivados importados.
A atual política de preços da Petrobras — de paridade com o mercado externo — foi alvo constante de críticas do ex-presidente Jair Bolsonaro, e também já foi atacada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva. O mercado teme que ingerências políticas possam afetar os resultados financeiros da companhia.
Alerta
Países desenvolvidos têm optado por uma tributação flutuante para equilibrar o preço dos combustíveis diante das oscilações do petróleo no mercado internacional; outros, mais próximos ao perfil do Brasil, como Chile e Peru, têm fundos de estabilização para proteger a população da variação de preços, aponta estudo da Empresa de Pesquisa Energética (EPE).
No Chile, o mecanismo protege apenas o querosene doméstico e é usado com tributos flutuantes. Já o Peru usa um fundo de estabilização para equilibrar os preços da gasolina, diesel, gasóleo e óleo combustível em sistemas isolados. Tem ainda um plano de subsídio para o gás liquefeito de petróleo (GLP), em estratégia similar ao que pode acontecer no Brasil.
Especialistas ouvidos pelo Estadão/Broadcast alertam que o ideal seria um modelo mais próximo ao do Chile, ou seja, estabilizar os preços apenas de um produto. No caso brasileiro, afirmam esses especialistas, o produto a ser escolhido deveria ser o diesel, que tem cerca de 30% do volume consumido importado de outros países. Alguns defendem, inclusive, que o fundo se limite a caminhoneiros, diante de limitações orçamentárias para compor algo mais amplo, que contemple a gasolina.
A equipe econômica do ex-presidente Bolsonaro, chefiada pelo ex-ministro Paulo Guedes, sempre foi contra a criação da conta de estabilização.
Projeto prevê preço de referência
O texto em tramitação no Congresso que cria um fundo de estabilização para os combustíveis prevê a fixação de um preço de referência, a ser divulgado pela Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP), e ainda uma banda com valores mínimos e máximos.
Quando o preço de referência ultrapassasse o teto da banda, a diferença seria paga pela CEP a distribuidores e importadores, que praticariam preços abaixo dos de mercado. Em caso contrário, na baixa, a diferença entre a referência e o piso da banda seria incorporada ao fundo.
Cada combustível teria uma conta específica, a ser criada e regulamentada pelo Poder Executivo, e gerida por um banco público. O auxílio-gás e programas similares, como um auxílio gasolina para motoristas autônomos e entregadores, teriam preferência no recebimento de verbas públicas.
A ideia é que o fundo receba participações do governo relativas ao setor de petróleo e gás destinadas à União, resultantes da concessão e da comercialização do excedente em óleo no regime de partilha de produção, ressalvadas as parcelas já vinculadas a determinadas áreas.
Também seria reforçado por dividendos (lucros distribuídos a acionistas) da Petrobras pagos à União, receitas públicas geradas com a evolução das cotações internacionais do petróleo bruto, desde que haja previsão em lei específica, e parcelas de superávits financeiros extraordinários.
Reação
Para Pedro Rodrigues, diretor e sócio do Centro Brasileiro de Infraestrutura (Cbie), o grande problema da criação da CEP está nos recursos necessários para que comece a funcionar. “A pergunta é se esse volume de recursos vai ser suficiente para montar uma conta de estabilização desse tamanho”, disse ele. “Na minha avaliação, não será, principalmente se se colocar gasolina e diesel. A primeira coisa seria colocar um fundo só com diesel, de preferência com foco nos caminhoneiros.”
Rodrigues argumenta ainda que a gasolina é um produto que pode ser substituído por etanol, gás ou eletricidade e, portanto, poderia ser excluída do mecanismo. Segundo o especialista, a maior preocupação deve ser não retomar práticas feitas em governos anteriores do PT, sobretudo de Dilma Rousseff (PT), quando ocorreu congelamento de preços. Ele defende que a empresa não deve abandonar totalmente a política de preços de paridade de importação (PPI).
Marcelo de Assis, consultor de óleo e gás da Wood Mackenzie, faz avaliação semelhante. Segundo ele, a primeira dificuldade para a criação do mecanismo é a fórmula do preço de referência — que também terá de contemplar a estrutura de custos de refinarias privadas, como a Acelen, na Bahia. Ele defende sua aplicação somente para o diesel e o gás de cozinha, estratégicos para transportes e para a população de baixa renda, respectivamente. “Em algum nível, teria de abrir a planilha de custos dessas empresas, e isso não é simples.”
Para Emerson Kapaz, presidente do Instituto Combustível Legal (ICL), uma iniciativa das grandes distribuidoras, é fundamental que o teto da banda que ativa a conta seja alto. O objetivo seria evitar seu acionamento a todo instante e permitir que o sistema seja ao máximo “fechado”, dispensando a injeção contínua de verbas públicas. Tanto Assis quanto Kapaz defendem que o ideal seria formar uma reserva antes de gastar, o que depende da criação da conta em momento de baixa de preços, do qual o mercado ainda está longe.
Demora na aprovação é preocupação para a estatal
Com questões como a reforma tributária e a nova âncora fiscal pendentes, a aprovação do projeto ainda não é tratada com prioridade nas articulações do Planalto com o Legislativo, e tende a não sair nos primeiros 100 dias do terceiro mandato de Lula. A demora pode deixar a Petrobras em novo apuro, entre pressões da política e do mercado. Um eventual aumento do ICMS pelos Estados e sanções europeias sobre os derivados russos podem gerar uma escalada dos preços dos combustíveis. A isenção de impostos federais sobre esses combustíveis, ainda que prorrogada, também tem data para acabar, o que acrescenta mais um fator à equação.
Para Pedro Rodrigues, Cbie, a aprovação do fundo na Câmara pode ter resistência, já que o mecanismo pode ser tachado de subsídio a combustíveis fósseis. Além disso, se utilizados tributos obtidos com o pré-sal — que, pela legislação em vigor, deveriam ser tranferidos para o Fundo Social –, o montante reservado para educação e saúde seria reduzido. “Na capitalização via royalties (do pré-sal), como fica o papel da Marina Silva (ministra do Meio Ambiente)? Você está subsidiando o combustível fóssil com dinheiro público”, afirma.
Fonte: O Estado de S. Paulo
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