Crime ambiental foi constatado em maio após mortandade de peixes; empresa confirmou escoamento do subproduto após instabilidade operacional em decorrência de fortes chuvas
A usina Costa Pinto, da Raízen, foi autuada em cerca de R$ 240 mil por despejo direto de vinhaça. O resíduo ácido do processo industrial da unidade de Piracicaba (SP) foi para o Ribeirão Cachoeira, afluente do Rio Piracicaba. De acordo com a Companhia Ambiental do Estado de São Paulo (Cetesb-SP), o crime ambiental foi constatado em maio deste ano após mortandade de peixes.
A empresa, em nota, confirmou o escoamento do subproduto após instabilidade operacional em decorrência de fortes chuvas e afirmou tomar medidas contenção.
A autuação ocorreu no último dia 10 de junho. O valor da multa é de 7.500 unidades fiscais do estado de São Paulo (Ufesps), o equivalente a R$ 239,8 mil. Em nota enviada ao G1 na última terça-feira, 28, a Cetesb afirmou que multou a usina da Raízen “por aplicar vinhaça, efluente líquido industrial, de forma generalizada e sem controle no solo”.
O despejo desses resíduos no ribeirão, segundo a Cetesb, provoca danos ao meio ambiente e à saúde das pessoas. “A aplicação de vinhaça, de forma generaliza e sem controle no solo, provoca a formação de áreas empoçadas e acúmulo de efluente nas curvas de nível, bem como lança poluente (vinhaça), sem tratamento, nas áreas de preservação permanente de nascente e no Ribeirão Cachoeirinha, tornando ou podendo tornar as águas ou solos impróprios, nocivos ou ofensivos à saúde, inconvenientes ao bem-estar público; danosos aos materiais, à fauna e à flora; prejudiciais à segurança, ao uso e gozo das propriedades, bem como às atividades normais da comunidade”, detalhou a Cetesb.
Procurada pela reportagem do G1, a assessoria de imprensa da Raízen informou que a empresa identificou um escoamento de vinhaça no dia 24 de maio e que tomou todas as medidas de contenção. “Em razão de instabilidade operacional seguida de fortes chuvas, a Raízen identificou um escoamento superficial de subproduto de sua operação na Fazenda São Luiz, em Piracicaba (SP). Prontamente, a companhia adotou todas as medidas de contenção, mitigando maiores impactos”, afirma em trecho de nota enviada à reportagem.
A empresa esclareceu ainda que dispõe de mecanismos de controle e equipe treinada para pronta atuação, seguindo as normas e protocolos ambientais, em conformidade com o Plano de Aplicação de Vinhaça (PAV). “A companhia está em contato com os órgãos competentes para garantir ações contínuas voltadas à prevenção e proteção do meio ambiente”, concluiu.
Entenda o caso
No dia 26 de maio, a Cetesb confirmou a presença de vinhaça no Ribeirão Cachoeira, no bairro Limoeiro, em Piracicaba (SP), onde foi constatada recente mortandade de peixes. Na ocasião, o órgão ainda informou ao G1 que investigava possível crime ambiental e se a origem do resíduo despejado diretamente nas águas vem de uma plantação de cana-de-açúcar das proximidades.
O Pelotão Ambiental da Guarda Civil de Piracicaba (SP) também esteve no local após denúncias de moradores em uma rede social. Segundo a equipe, foram constatadas a contaminação no ribeirão e morte de peixes. Um boletim de ocorrência foi registrado no último dia 24 de maio e um inquérito deve ser aberto para investigar o caso.
“Em amostragem preliminar, foi constatado que o PH da água coletada do ribeirão era de 5,4 e a oxigenação em 0,5%. Ou seja, o rio estava morto”, relatou ao G1 o agente Bertin, do Grupo do Pelotão Ambiental da Guarda de Piracicaba.
Em nota, a Cetesb afirma que foram coletadas amostras de água para análise em laboratório e que acompanhará a limpeza do local, com remoção do produto ainda existente próximo ao ribeirão.
O G1 entrou em contato com a Secretaria de Segurança Pública do Estado de São Paulo (SSP-SP) para saber se a Polícia Civil também investiga o crime ambiental, mas até a publicação desta reportagem não obteve retorno.
Despejo irregular de vinhaça
A vinhaça é um produto que se forma em todo processo de produção de açúcar e/ou de etanol. Cada litro de álcool ou quilograma de açúcar pode gerar entre 13 e 16 litros de vinhaça, conforme o professor e pesquisador em ecologia aplicada, Plínio Barbosa de Camargo, responsável pela divisão e funcionamento de ecossistemas do Centro de Energia Nuclear na Agricultura (Cena), da Universidade de São Paulo (USP).
O pesquisador explica que a vinhaça é um composto ácido, geralmente enriquecido em potássio, formado por grande quantidade de matérias orgânicas. “Esse resíduo é resultado de todos os outros compostos que não formaram o açúcar, como a celulose, lignina e fibras, por exemplo. É uma espécie de lodo – um resíduo desse produto, que é jogado junto com as águas desse processo de lavagem, que chamam de vinhaça”, detalhou o pesquisador.
A pesquisadora Luciana Cavalcante Pereira, doutora em conservação de ecossistemas florestais pela Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (Esalq) da Universidade de São Paulo (USP) e coordenadora de diagnóstico do Projeto Corredor Caipira para restauração ambiental, afirma que o despejo irregular de vinhaça em ribeirões e rios configura crime ambiental. “É como jogar esgoto direto na água”, compara.
Ela alerta que o uso da vinhaça, quando feito da forma correta, com o manejo técnico adequado, pode ser muito útil e funciona como adubo em plantações. “Esse manejo é benéfico tanto do ponto de vista ambiental quanto produtivo, pois evita a poluição das águas e reduz o gasto com agroquímicos”, afirma a pesquisadora.
Mas o despejo irregular de vinhaça nas águas de rios, ribeirões ou afluentes faz como esses corpos d’agua se tornem ricos em nutrientes para bactérias aeróbicas (que respiram oxigênio), explica Pereira. Esses micro-organismos consomem o oxigênio do ambiente aquático, provocando a morte dos peixes.
O professor Plínio Bárbosa de Camargo esclarece que quando a vinhaça é despejada no meio aquático, os micro-organismos começam a degradar esse resíduo feito de matéria orgânica, que para eles é alimento. “Para decompor esses nutrientes, os micro-organismos usam o oxigênio que está na água. E, nesse caso, qualquer ser vivo desse ambiente, morre”, alerta.
Claudia Assenci
Fonte: G1