Projeto, que deve superar aporte de R$ 100 milhões, atende demanda gaúcha por biocombustíveis
A primeira usina gaúcha a sair do papel e produzir etanol a partir do trigo toma forma em Santiago, na região do Vale do Jaguari. Em fase adiantada de obras – que precisaram ser prorrogadas em virtude das cheias de maio –, o empreendimento da CB Bioenergia, liderada por um grupo de produtores rurais da região, deve iniciar sua produção em dezembro, cinco meses depois do prazo inicialmente previsto.
O investimento, que deve ultrapassar os R$ 100 milhões, busca atender à meta de ampliar a produção de biocombustíveis e redução de emissões no Rio Grande do Sul. E ele acontece justamente no município que lidera o ranking de maior emissor de gases do efeito estufa entre as regiões do estado.
Conforme relatório do Sistema de Estimativas de Emissões e Remoções de Gases de Efeito Estufa (SEEG) do Observatório do Clima, em 2022, Santiago lançou 1,2 milhão de toneladas de gases. No ano anterior, o município teve o PIB ampliado em quase 40%, e é uma espécie de porta de entrada para um cinturão da soja que se formou entre o Vale do Jaguari, o Centro e o Jacuí-Centro.
Não à toa, mesmo sendo a região com a segunda menor participação percentual no PIB do Rio Grande do Sul, o Vale do Jaguari experimentou a terceira maior alta regional no PIB entre regiões do estado entre 2020 e 2021.
Em Santiago, a economia local tem o agro como a sua principal força e 80% da área cultivada é plantada com soja. “A instalação da usina será estratégica não só para Santiago, mas para toda a região. Hoje, há uma ociosidade de terra no inverno e isso, sabemos, resulta em solos menos protegidos e maior emissão de gases. Será um novo ciclo, uma nova safra, com a vantagem de agregar valor com a industrialização da nossa matéria-prima”, diz o prefeito de Santiago, Tiago Lacerda.
A usina terá capacidade de produção do etanol hidratado como combustível para veículos e aviões agrícolas. Assim, a prioridade será diferente de outros projetos semelhantes no estado, em sua maioria no Norte, que estão voltados ao fornecimento de álcool neutro para a indústria de bebidas e de cosméticos.
Por meio de nota, os empreendedores explicam que a CB Bioenergia terá capacidade para produzir 12 milhões de litros de etanol por ano. Inicialmente, com a projeção de moagem de 100 toneladas de matéria-prima por dia, haverá a geração de 70 empregos diretos.
Além disso, eles afirmam que a base para o álcool não se limitará ao trigo. A tecnologia aplicada no projeto permitirá gerar etanol também a partir de arroz, sorgo, triticale, cevada e milho. A origem será, em primeiro lugar, as próprias lavouras dos empreendedores. São 40 mil hectares de trigo, além de outros 50 mil hectares de soja, entre o Vale do Jaguari e a Fronteira Oeste. O grupo ainda aponta que a compra de produtores de Santiago e de municípios da região – a partir de cooperativas – será prioritária.
Ao que tudo indica, o primeiro ciclo de produção da nova usina será de safra cheia de trigo. “Projetos como este são muito bem-vindos e serão uma excelente alternativa para a valorização aos nossos produtores. Já chegamos a produzir 24 mil toneladas de trigo, mas, com a queda nos preços, a safra reduziu pela metade”, diz o presidente da Cooperativa Tritícola Sepeense (Cotrisel), José Paulo Salerno.
Ele complementa: “Incentivamos o cultivo, até mesmo como cultura de cobertura do solo no inverno, com o fornecimento de todo o insumo aos associados. Mas, com a concretização desta usina, teríamos toda condição na região de fornecer não somente o trigo, mas principalmente triticale”, afirma.
O trigo produzido pelos associados tem parte destinada aos moinhos, mas um grande percentual é exportado para produção de rações. É o que também acontece com a produção da Cooperativa Agrícola Mista Nova Palma (Camnpal).
A cidade dos “pilas” sustentáveis
De acordo com o prefeito de Santiago, Tiago Lacerda, a intenção é que a nova usina reforce uma vocação da cidade para ser um polo comercial do agro, com máquinas, corretoras e suporte ao produtor. No radar imediato, Lacerda antecipa que há investimentos imobiliários para implementar indústrias e serviços como a qualificação na educação.
“Criamos há quatro anos um projeto único para garantirmos a economia circular para os resíduos gerados aqui, que é o pila verde”, relata e explica: “Os moradores são incentivados a entregar o lixo orgânico, que vai para uma grande composteira e vira fertilizante com um processo de aceleração biológica desenvolvido no município. E, no ano passado, iniciamos também o pila azul, para a entrega de recicláveis”.
Cada cinco quilos de resíduo orgânico entregue à compostagem resulta em um pila verde, que pode ser trocado por produtos na feira dos produtores locais, na praça da cidade. E os produtores podem trocar os seus pilas pelo fertilizante desenvolvido no município.
O projeto já foi visitado pela FAO, a Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura e, neste ano, fez parte do levantamento Municípios Agroecológicos e Políticas de Futuro, feito pela Articulação Nacional de Agroecologia (ANA). Até o começo deste ano, o “pila verde” já resultou em 600 toneladas de material recolhido e transformado.
Por: Eduardo Torres Fonte: Nova Cana
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