O uso de biocombustíveis pode reduzir 800 milhões de toneladas de emissões de dióxido de carbono (CO2) até 2030 no setor de transportes — contribuição necessária para que se atinja a meta de neutralidade em 2050. Em um cenário moderado, 11 países emergentes — entre eles o Brasil — conseguem eliminar juntos quase metade desse montante, mostra estudo da Força Tarefa de Bioenergia da Agência Internacional de Energia (IEA), antecipado para o Valor.
A pesquisa indica que a mistura de 25% ou mais de biocombustíveis com baixo teor de carbono (como etanol e biodiesel) em combustíveis convencionais líquidos (como gasolina e diesel) na China, Etiópia, Índia, Indonésia, Malásia, África do Sul e Tailândia podem levar a reduções de 10% a 15% na pegada total de carbono do setor de transportes. O número corresponde a 262 milhões de toneladas de CO2 equivalente por ano.
O estudo também agrega dados de uma pesquisa anterior que avaliou Argentina, Brasil, Colômbia e Guatemala — países que, com o uso de biocombustíveis, contribuem para a redução de 62 milhões de toneladas de CO2 equivalente por ano. Com benefícios socioeconômicos, esse número pode dobrar.
Produzidos a partir de matérias-primas como a cana-de-açúcar, milho e soja, os biocombustíveis são opções baratas para a descarbonização. O estudo comparou os custos e mostrou que o preço na bomba cai 10% com as misturas. A pesquisa considerou países com grandes taxas de crescimento populacional da América Latina, África e Ásia que vão aumentar a demanda por energia.
“Esses 11 países são chave para mudar o cenário. Hoje, contribuem com só 27% das emissões globais, mas se continuarem crescendo nas taxas atuais, podem chegar a 117% a mais”, afirma a pesquisadora-líder do estudo, Glaucia Mendes Souza, professora titular do Departamento de Bioquímica da Universidade de São Paulo (USP).
Segundo maior produtor de biocombustíveis no mundo, o Brasil fica atrás apenas dos Estados Unidos. Em 2023, a produção brasileira de etanol e biodiesel totalizou quase 43 bilhões de litros, atingindo recorde histórico, de acordo com relatório da Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP).
Os resultados do estudo foram apresentados por Souza em reuniões fechadas de dois grupos de trabalho do G20: o de Bioeconomia e o de Transição Energética. O GT de Transição Energética teve seu encontro final de ministros no dia 4 de outubro, em Foz do Iguaçu, e se comprometeu com a valorização dos biocombustíveis.
Sancionada na última terça-feira pelo presidente Lula, a Lei do Combustível do Futuro é um avanço, na avaliação da pesquisadora. O texto prevê o aumento da mistura de etanol e de biodiesel à gasolina e ao diesel, respectivamente. A norma também cria programas nacionais de diesel verde, de combustível sustentável para aviação (SAF) e de biometano.
A professora mostra otimismo. “Começa a ficar viável alcançar as metas de descarbonização do setor, é só fazer uma mistura simples com biocombustível. As reduções de emissões são possíveis sem nenhuma modificação de motores”, diz. Segundo ela, a eletrificação ganha maior importância apenas em países que não conseguem produzir biocombustíveis.
“Comparamos os veículos rodando a biocombustível com os veículos a bateria. Se você usar um carro elétrico num país que tem uma matriz energética suja, onde a eletricidade é gerada a partir de carvão ou petróleo, não vale a pena. Nesses casos, o biocombustível é a melhor opção”, observa a pesquisadora.
No estudo, a equipe liderada por Souza fez simulações da mistura de biocombustíveis com combustíveis fósseis em porcentagens de até 40%, considerando o potencial de produção desses países sem ampliar o uso exaustivo de terras.
“Em cada país variou um pouco, dependendo do ponto em que eles estão, e a gente viu que o cálculo da terra necessária [para produzir biocombustíveis] é 0,1% a 10% da área de pastagens, no máximo”, diz. Ela enfatiza a importância de a agricultura não se expandir em florestas e que é fundamental a criação de legislações específicas.
Por: Victoria Netto Fonte: Globo Rural
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