Idealizado pelo GIFC, evento foi realizado nos dias 28 e 29 de agosto, em Ribeirão Preto/SP
“A irrigação é uma prática cada vez mais consolidada nas usinas e agrícolas do Centro-Sul do país. Aqueles estigmas de que ela diminui o teor de sacarose e possui um custo alto já ficaram para trás. Hoje, ela se apresenta como a ferramenta que melhor faz frente às adversidades impostas pelo clima, caracterizado atualmente por baixa precipitação e/ou má distribuição das chuvas.”
Foi com essas palavras que René Sordi, presidente do Grupo de Irrigação e Fertirrigação em Cana-de-Açúcar (GIFC), abriu a sexta edição do Seminário Brasileiro de Irrigação e Fertirrigação de Cana-de-Açúcar (IRRIGACANA). Com escopo ampliado, o evento deste ano foi realizado nos dias 28 e 29 de agosto, em Ribeirão Preto/SP, e reuniu mais de 600 participantes, entre representantes de unidades bioenergéticas, produtores rurais, pesquisadores e integrantes de empresas fornecedoras do setor.
Durante a abertura, Sordi ressaltou o trabalho do GIFC no sentido de expandir as discussões sobre o tema “irrigação”, derrubando mitos e levando informação de qualidade para um número cada vez maior de profissionais do segmento. “Nesses 12 anos de atuação, temos percebido que o grupo vem crescendo na mesma proporção da relevância da irrigação no setor canavieiro do Centro-Sul do país.”
Para o Presidente do GIFC, há alguns anos seria praticamente impossível reunir todo esse público interessado em debater o tema. “Felizmente, o setor parece ter entendido que não pode mais viver à mercê do clima, e que a irrigação é a melhor ferramenta para estabilidade de produção, além de expressivos incrementos em longevidade e produtividade agrícola.”
O evento deste ano contou com quatro blocos, divididos ao longo de dois dias. O primeiro abordou a irrigação e políticas públicas. O segundo discorreu sobre inovações e tecnologias. O terceiro trouxe casos de sucesso, enquanto o quarto apresentou algumas estratégias de inserção da tecnologia na matriz produtiva das usinas. Confira o resumo da programação do 6º IRRIGACANA:
Políticas públicas e necessidade de ampliação dos sistemas irrigados foram os principais temas debatidos durante o primeiro bloco do 6º IRRIGACANA
A primeira palestra do 6º IRRIGACANA foi do professor e pesquisador da Escola Superior de Agricultura “Luiz de Queiroz” da Universidade de São Paulo (ESALQ-USP), Durval Dourado Neto, que falou sobre a necessidade de ampliação da irrigação no Brasil visando atender a demanda de segurança energética da FAO (Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura). “Estima-se que em 2050 haverá 9,8 bilhões de pessoas vivendo na Terra. E o Brasil será responsável por alimentar 20,4% dessa população.”
Segundo ele, a solução para atender essa demanda passa pela expansão da área irrigada, na seguinte proporção: 2 milhões de hectares nos próximos quatro anos, 15,5 milhões de hectares nos próximos 30 anos e 53,4 milhões de hectares nos próximos 100 anos. “Lembrando que essa expansão deve ocorrer sobre uma área de 248 milhões de hectares, sendo 74 mi/ha já ocupada com agricultura e de 174 mi/ha atualmente coberta por pastagem.”
Em seguida, a diretora da Associação Brasileira de Irrigação e Drenagem (ABID), Priscila Silvério Sleutjes, ressaltou que os 8,2 milhões de hectares irrigados no Brasil é um volume bastante baixo. “Apenas o Estado de Nebraska, nos Estados Unidos, irriga cerca de 3 milhões de hectares. Porém, acredito que o cenário brasileiro está mudando. Hoje, os agricultores parecem ter entendido o quão importante é a irrigação, seja para mitigar os riscos climáticos; promover a segurança alimentar; otimizar a produção agropecuária; aumentar a produtividade agrícola em até três vezes; impactar positivamente a área social; expandir a oferta e regularidade dos produtos e elevar a qualidade de vida e renda da região.”
Já a assessora técnica da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA), Jordana Girardello, debateu a situação da irrigação nas políticas públicas governamentais. Ela explicou como a Comissão Nacional de Irrigação da CNA tem trabalhado para garantir o avanço das áreas irrigadas do país de forma sustentável e garantindo a segurança jurídica e hídrica ao produtor rural brasileiro.
“Temos trabalhado em pautas como a garantia da tarifa diferenciada da energia elétrica, a autorização para reservação de água em propriedades rurais e o aumento e melhoria nas linhas de crédito para implantação da tecnologia. Também tratamos da assistência técnica e manejo de água junto aos produtores, além da capacitação e empoderamento do setor nos debates sobre recursos hídricos para tomada de decisão no âmbito dos Comitês de Bacias Hidrográficas”, destacou Jordana.
Orlando Melo de Castro, da Secretaria de Agricultura e Abastecimento (SAA) do Estado de São Paulo, falou sobre o “Irriga+SP”, plano estadual de irrigação cujo objetivo é dobrar as áreas irrigadas no Estado, chegando a 15% até 2030. Atualmente, apenas 6% das lavouras paulistas são irrigadas.
O plano de irrigação, que conta com a parceria da multinacional do agro Lindsay e da Universidade de Nebraska, também prevê uma linha de crédito para os agricultores com recursos para aquisição de implementos, além de todo o apoio técnico dos institutos de pesquisa ligados à SAA.
Em sua fala, Pedro D’Angelo Ribeiro, chefe de Relações Institucionais e do Núcleo de Gestão Ambiental da Secretaria de Agricultura, Pecuária e Abastecimento de Minas Gerais, afirmou que é inadmissível que o Estado possua apenas 16% de área irrigada. “Temos capacidade para muito mais”, afirmou.
Para contornar esse cenário, foi aprovada a Lei n° 24.931, de 25 de julho de 2024, que institui uma política estadual de agricultura irrigada. Dentre os objetivos, destacam-se o uso eficiente e sustentável dos recursos hídricos, recuperação de bacias e cursos d’água e redução do desmatamento e da abertura de novas áreas.
Clênio de Oliveira Torres Filho, gerente de outorga e cobrança da Agência Pernambucana de Águas e Clima (APAC), falou sobre os desafios para ampliação dos sistemas irrigados no Brasil, abordando inclusive a questão da política de recursos hídricos e concessão de barragens, traçando paralelos entre o Centro-Sul e o Nordeste brasileiro.
Fechando o primeiro bloco, Sérgio Razera, diretor presidente da Agência das Bacias PCJ, ressaltou que o setor canavieiro nacional precisa participar ativamente dos comitês de bacias hidrográficas. “Uma bacia hidrográfica é como se fosse um condomínio, onde quem usa, participa e/ou mora, vai discutir quais são os problemas, os custos e as soluções a serem adotadas.”
Usinas e agrícolas ampliam projetos de irrigação e destacam seus benefícios durante 6º IRRIGACANA
Novas tecnologias, casos de sucesso e as estratégias para inserção da irrigação na matriz produtiva tracionaram os demais blocos do 6º IRRIGACANA. Usinas e produtores subiram ao palco para contar suas experiências sobre o tema. Um dos principais destaques foi a Raízen, referência global em bioenergia, que detalhou seus projetos de irrigação em cana-de-açúcar.
Detentora de 35 parques de bioenergia, a Raízen contou com dois profissionais como palestrantes no 6º Irrigacana, Caio Spada de Toledo Piza, Supervisor de Desenvolvimento Técnico, e Filipe Arruda, gerente de planejamento e desenvolvimento agrícola. Atualmente, a empresa conta com 42 mil hectares de aspersão; 5,2 mil hectares de gotejamento e 6,5 mil hectares de pivô central. Futuramente, a companhia espera alcançar 115 mil hectares irrigados, criando um volume adicional de 1,5 milhões de toneladas de cana-de-açúcar.
A BP Bunge Bioenergia, uma das líderes do país em etanol, açúcar e bioeletricidade, prevê aumentar sua área irrigada, chegando a 55% até 2028. Durante sua apresentação, o consultor técnico corporativo de tratos culturais da companhia, Germano Souza, afirmou que a irrigação é imprescindível para melhoria da produtividade agrícola, especialmente para estabilizar a produção no final de safra e garantir a brotação dos canaviais a partir de maio.
Já a fertirrigação com vinhaça foi o tema da palestra da Usina Alta Mogiana, de São Joaquim da Barra/SP. Com aplicação em 95% da área própria, a unidade aposta no resíduo para ganhos de produtividade agrícola, especialmente diante das más condições climáticas da região, que chega neste início de setembro a marca de 150 dias sem chuva. “Para atender essa demanda, contamos com três pontos de abastecimento, 134 mil m3 de capacidade de armazenamento e 12 equipamentos em operação”, detalhou o gerente de desenvolvimento agrícola da empresa, Gustavo Vilas Boas.
Mais tarde, o supervisor agrícola da Alta Mogiana, Júlio Naves, subiu ao palco para apresentar o projeto de irrigação por gotejamento da unidade, iniciado após a seca de 2021, quando a produtividade agrícola média dos canaviais da usina despencou de 102 ton/ha para 89 ton/ha.
Inicialmente, uma área de 28,5 hectares foi implantada com o objetivo de avaliar o impacto da tecnologia na mitigação da queda de produtividade agrícola entre os meses de maio e agosto. Hoje, três anos depois, a ferramenta está mais do que validada. O projeto inicial foi expandindo para 93 hectares, com expectativa de ampliação para 217 hectares num futuro próximo.
“A irrigação deve ser vista como um seguro de produtividade, especialmente no cenário climático atual, em que as estiagens se tornaram cada vez mais severas e frequentes. Ao implantar a tecnologia dentro da nossa matriz produtiva, as perdas em anos de baixa pluviosidade serão menores. Já nos anos climaticamente favoráveis, será possível manter ou até mesmo verticalizar a produção das áreas.”
Com 100% de sua área irrigada, a Bevap, de João Pinheiro/MG, impressionou o público do 6º IRRIGACANA. Em sua apresentação, o gerente de irrigação da unidade, Dalisson de Oliveira, contou detalhes da operação, que tem sido uma das principais responsáveis por entregar produtividades agrícolas médias de 103 ton/ha em canaviais de 15 cortes.
“Nossa infraestrutura inclui 14 pontos de captação, 144 km de canais e 35 reservatórios de água bruta, residuária e vinhaça. De equipamentos, possuímos 87 pivôs fixos (13.673 ha), 15 pivôs rebocáveis (2.957 ha), 14 lineares (3.434 ha), 12 projetos de gotejo (1.780 ha) e 28 carretéis (2.728 ha). Contamos ainda com sistemas de gestão e softwares de monitoramento para geração de relatórios e apoio na tomada de decisão.”
A questão da falta de mão de obra para operação dos projetos de irrigação foi um dos pontos abordados por Marcos Mendonça, assessor técnico da diretoria do Grupo Olho D’água, companhia detentora de três unidades bioenergéticas no Nordeste. Para solucionar essa questão, a empresa iniciou um projeto de automação de adutoras para irrigação.
“Contamos com 39 quilômetros de adutoras que levam água para 14 reservatórios, atendendo 4 mil hectares de canaviais, sendo 1300 ha de gotejo e 2700 ha, de aspersão. Caso a operação fosse manual, precisaríamos de cerca de 60 colaboradores, algo difícil de encontrar atualmente. Por conta disso, implantamos um COI (Centro de Operações Integradas) e automatizamos todos os pontos.” Segundo Mendonça, além de solucionar o problema de falta de mão de obra, o projeto entregou maior controle da operação, geração de relatórios operacionais e mais segurança.
Com irrigação por aspersão, a Usina Da Mata, de Valparaíso/SP, espera aumentar a produtividade agrícola média de suas áreas em até 6 ton/ha. Durante o evento, o gerente de produção agrícola da unidade, José Carlos Contiero, afirmou que a tecnologia será essencial para a empresa atingir 5 milhões de toneladas de cana-de-açúcar processadas em 2025.
A baixa precipitação a partir de 2019 despertou os gestores da Usina Santa Adélia – Pereira Barreto para investir no sistema de produção irrigado. No 6º IRRIGACANA, o supervisor de irrigação da unidade, Antônio Luiz Silva dos Santos, detalhou os benefícios proporcionados pela tecnologia, que incluem menor Capex do preparo, plantio e tratos por tonelada de cana; da colheita e transbordo; do transporte e da reforma e menos Opex dos insumos.
Oscar Antônio Gomes, produtor da Fazenda Morena, de Avanhandava/SP, afirmou que, após ver a produtividade agrícola de suas áreas despencar devido aos efeitos da seca, optou por iniciar um projeto de irrigação por gotejamento. Seus vizinhos, porém, não acreditaram no potencial da tecnologia, chamando-o de “maluco”.
Ao longo de sua apresentação, Gomes detalhou a fundo seu projeto, que incluiu a sistematização das áreas, construção de uma lagoa e de uma casa de máquinas anexa ao barracão e o plantio de Mudas Pré-Brotadas (MPB). “Mesmo na seca, o canavial implantado se desenvolveu muito bem, alcançando uma produtividade agrícola média no primeiro corte de quase 170 ton/ha. De louco, agora sou visionário”, brinca.
Lucas Farsoni Gallo, Analista de processos agrícolas pleno no departamento de planejamento técnico agronômico corporativo da Pedra Agroindustrial, destacou que a irrigação tecnificada auxiliou a empresa a minimizar o estresse hídrico sofrido pela cana-de-açúcar no campo e, consequentemente, elevar a produção e a longevidade das áreas.
Atualmente, a companhia detentora de três unidades produtivas emprega a irrigação de salvamento visando garantir a brotação dos canaviais. Já a irrigação deficitária, realizada de forma frequente ao longo de todo o ciclo produtivo da cultura com objetivo de suprir diariamente parte do déficit hídrico sofrido, deverá ser integrada à matriz produtiva da unidade em breve.
O 6º IRRIGACANA ainda contou com palestras do pesquisador da Embrapa Meio Ambiente, Vinicius Bof Bufon, que falou sobre os caminhos para um case de sucesso; e da Usina São Martinho, que detalhou seu projeto de irrigação em parceria com a Embrapa.
Sobre o Irrigacana
O Seminário Brasileiro de Irrigação e Fertirrigação de Cana-de-Açúcar (IRRIGACANA), realizado anualmente pelo GIFC (Grupo de Irrigação e Fertirrigação em Cana-de-Açúcar), reúne representantes de unidades bioenergéticas, produtores e produtoras rurais, pesquisadores e integrantes de empresas fornecedoras do setor, para discussão e troca de informações sobre a gestão eficiente do manejo da água e da fertirrigação em canaviais, visando o aumento de produtividade agrícola e longevidade das áreas.
Fonte: Cana Online
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