Defendida pela ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, a volta da gestão do Cadastro Ambiental Rural (CAR) para a sua pasta tende a esbarrar no Congresso. Maior bancada, com 347 parlamentares, a bancada ruralista não deve ceder na eventual revisão do acordado na Medida Provisória da Reestruturação da Esplanada dos Ministérios 1.154/2022.
O relatório, aprovado na Comissão Mista da Câmara, prevê que a responsabilidade do CAR, registro da situação ambiental das propriedades agrícolas, fique sob a responsabilidade do Ministério da Gestão, Inovação e Serviços Públicos, e não no MMA como indicava a MP do Executivo.
“Foi acordado com o relator para transferir o CAR do MMA para um ministério neutro e a regulamentação fica com os ministérios envolvidos. A expectativa é que a Câmara e o Senado aprovem”, disse o presidente da Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA), deputado federal Pedro Lupion (PP-PR), ao Broadcast Agro. Sob anonimato, líderes partidários disseram que não faz sentido manter a estrutura no ministério de Marina.
No governo anterior, de Jair Bolsonaro e com o Ministério da Agricultura sob gestão de Tereza Cristina, a implementação do CAR estava sob a responsabilidade da pasta da então ministra, por meio do mesmo Serviço Florestal Brasileiro (SFB). No atual governo, porém, o SFB, e consequentemente o CAR, passou para o guarda-chuva do MMA. Agora, o relatório que coloca o CAR sob a Gestão vai para apreciação do plenário da Câmara e posteriormente do Senado.
A tendência é que haja consenso pela manutenção do CAR na Gestão, apesar da discordância pública do governo. Ao Estadão/Broadcast, o relator da MP, Isnaldo Bulhões (MDB-AL), disse que, apesar das críticas ao que chamam de “esvaziamento” do Ministério do Meio Ambiente, o texto foi construído em conjunto com o governo. Ele também afirmou que não haverá prejuízos ao CAR.
“Precisa-se compreender o que é o CAR. Ele é gerido pelo governo federal. Todo o processo de cadastramento é feito no município e nos Estados. Não haverá nenhum prejuízo em colocar o Ministério da Gestão para gerir esse sistema, como já gere muitos outros”, disse Isnaldo. Nos bastidores, como mostrou a reportagem, líderes reconhecem que há resistências a aceitar qualquer acordo que beneficie Marina Silva. “A Marina não viu que o mundo mudou, não viu que o agro é mola propulsora”, criticou uma fonte.
Na última sexta-feira, o ministro da Casa Civil, Rui Costa, afirmou que o Executivo deseja que o CAR permaneça sob gestão do MMA. “O nome já diz, é Cadastro Ambiental”, disse a jornalistas. Costa reforçou que o governo vai trabalhar para manter pontos “muito importantes” no texto nas próximas etapas de tramitação.
Na mesma linha, o secretário-executivo do Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima (MMA), João Paulo Capobianco, acredita na reversão da eventual transferência da gestão do CAR da sua pasta para a Gestão. “Na nossa avaliação, a transferência (do CAR para a Gestão) não é correta porque vai exigir uma série de ações para viabilizar a operação do Cadastro Ambiental Rural. É uma discussão a ser feita e estamos trabalhando para reverter a medida na tramitação da MP. Não quero dizer que o CAR na Gestão não vá funcionar, mas o lugar correto definido pelo próprio Código Florestal em 2012 é o MMA”, disse Capobianco, ao Broadcast Agro.
“O CAR é uma informação ambiental e, portanto, não faz sentido dizer que teria de ficar em um ministério neutro. Como se tratam de informações ambientais da propriedade rural e quem é responsável por gerir e responsabilizar a questão ambiental é o MMA, o CAR deveria estar no MMA”, argumentou o número 2 de Marina Silva.
Vice-presidente da FPA na Câmara dos Deputados, o deputado federal Arnaldo Jardim (Cidadania-SP) lembra que a bancada cedeu ante à intenção inicial de que o CAR voltasse a ser administrado pela Agricultura, como era na gestão Bolsonaro. “A questão mais polêmica é o CAR pelo próprio estilo da Marina. Saiu uma solução intermediária de ficar na Gestão com acompanhamento dos Ministérios da Agricultura e do Meio Ambiente. Não achamos que se retirou nada da autoridade da Marina. Não há nenhum problema”, afirmou à reportagem. “Havia um impasse político e saiu uma solução compartilhada. Não queríamos que ficasse só no MMA e queríamos que voltasse. Foi uma solução acordada com as partes”, observou.
Setor
O tema gera divergências dentro do próprio setor produtivo. Entidades e lideranças do agronegócio, como a Coalizão Brasil Clima, Agro e Florestas e o vice-presidente da Sociedade Rural Brasileira e ex-diretor do SFB, João Francisco Adrien, defendem que o CAR fique sob o arcabouço do MMA e entendem que a ida para a Gestão pode inviabilizar o avanço do sistema, em virtude da ausência de equipe técnica qualificada em legislação ambiental no sistema. Parcela do setor, contudo, ainda insiste na retomada do CAR pela Agricultura.
“O nome já diz: é um registro ambiental rural. Quem cuida das informações sobre propriedades agrícolas é o Ministério da Agricultura”, afirmou uma liderança do setor, que acompanha as tratativas.
O ministro da Agricultura, Carlos Fávaro, vem afirmando que nem ele será mais complacente e nem a ministra Marina Silva mais rigorosa na validação do CAR, porque são os órgãos estaduais que fazem a análise do cadastro, que é autodeclaratório, e que tem de se respeitar o Código Florestal.
Para a conciliação do assunto, Jardim sugere que os próprios Ministério da Agricultura e do Meio Ambiente possam fornecer equipe técnica qualificada para uma governança mista do CAR dentro do Ministério da Gestão. “Há algumas pessoas que acham que colocar uma terceira instância, a Gestão, vai complicar mais o processo, mas foi a solução encontrada e tecnicamente pode se resolver até com transferência de técnicos. Não vejo empecilho técnico e acredito que objeções de gestão poderão ser superadas”, defendeu Jardim.
Outro assunto espinhoso para a bancada ruralista é a demarcação de terras indígenas. A bancada considerou positiva a mudança da responsabilidade da demarcação pelo Ministério da Justiça e não pelo Ministério dos Povos Indígenas, como queria o governo e como defende a ministra dos Povos Indígenas, Sonia Guajajara. “Achamos que é mais equilibrado, em vez de ficar em um ministério pontual/setorial (Ministério dos Povos Indígenas) que isso fosse tratado no Ministério da Justiça”, afirmou o vice-presidente da FPA na Câmara.
Jardim defendeu a aprovação pelo plenário da Câmara dos Deputados e pelo Senado do relatório já aprovado, sem novas mudanças tanto em relação ao CAR quanto à demarcação de áreas indígenas, em virtude do tempo estreito para avaliação da MP, antes de expirar na próxima quinta-feira, 1º. A expectativa é que o tema seja votado na sessão de hoje, 30, na Câmara e que vá para o Senado votar até amanhã, 31.
“É uma corrida apertada. Se uma medida como essa vai ao Senado e muda e volta para a Câmara, fica quase impossível não caducar. Se não for votada até dia 1º, sete ministérios deixarão de existir no dia 2, o que inclui o MDA, a Pesca e o ministério da Indústria. É um risco alto”, observou.
O tema é caro ao setor produtivo que teme que a demarcação de áreas indígenas possa ser aleatória e sem a devida indenização aos proprietários das terras. “O Ministério dos Povos Indígenas é parte interessada da demarcação. É preceito da boa gestão pública não deixar a gestão de assunto com área interessada”, afirmou liderança de entidade do agronegócio.
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