Sob os efeitos de sanções comerciais da Europa após a invasão da Ucrânia, os russos se tornaram neste ano o maior fornecedor externo de diesel ao Brasil, deixando para trás os americanos, tradicionais exportadores do combustível. Esse movimento, que também aconteceu em países com boas relações com o regime de Vladimir Putin, como Índia e Turquia, contribuiu para que o Brasil se tornasse o segundo maior consumidor do produto russo.
A Rússia, que tinha uma participação quase inexistente nos oito primeiros meses do ano passado, já aparecia na liderança em quantidade desembarcada até julho deste ano, mas a importação se acelerou em agosto e agora ela também está à frente em valor. De janeiro a agosto, 35,6% do valor importado em diesel pelo Brasil veio da Rússia. Em volume foram 40,6%. Os americanos ficaram com fatia de 31% e 28,4%, respectivamente. No ano passado, em igual período, os EUA forneciam 58%, tanto em valor quanto em volume. Emirados Árabes e Índia vêm em seguida dos americanos neste ano, com cerca de 10% do fornecimento cada um, em valor e em quantidade.
Com o diesel, a Rússia não só se manteve entre os cinco maiores em vendas ao Brasil como ampliou a fatia nos desembarques totais brasileiros de 3,2% no ano passado para 3,6% em 2023, considerando o período de janeiro a agosto. A posição de quinto lugar foi conquistada no ano passado com as vendas de adubos e fertilizantes, tradicionalmente presentes na cesta de importação brasileira de produtos russos, mas puxada então por preços mais altos e antecipação de compra. Em 2021 a Rússia era o nono fornecedor no ranking de vendas ao Brasil, considerando os mesmos oito meses.
O diesel representa 52% do que o Brasil importa em combustíveis derivados de petróleo. No fornecimento de combustível russo, a fatia do gasóleo é de 80,3%. O restante são quase que exclusivamente naftas, que somaram US$ 516,2 milhões no acumulado até agosto, incluindo as destinadas para petroquímica.
A proximidade com Putin para garantir o fornecimento de diesel, assim como o de fertilizantes, foi usada como trunfo na campanha eleitoral de Jair Bolsonaro no ano passado, mas a importação do combustível russo só começou a ganhar força, verdadeiramente, a partir de fevereiro deste ano.
“Importadores de diesel se valem dos preços para manter negócio viável” — Walter De Vitto
Com as sanções comerciais impostas após a eclosão da guerra com a Ucrânia, os russos, diz Welber Barral, sócio da BMJ e ex-secretário de Comércio Exterior, que abasteciam a Europa, tiveram que achar mercados alternativos para seu petróleo e também derivados.
Essa estratégia também é notada na Índia e Turquia, mas nos dois casos, diferentemente do Brasil, já havia uma presença russa no fornecimento. No primeiro caso, as compras de diesel russo cresceram 272% em volume no primeiro semestre e o país passou a ser o principal fornecedor dos indianos, com 54% do total – a fatia era de 17% nos primeiros seis meses do ano passado. Na Turquia, nessa mesma comparação, a parcela russa passou de 36% para 57%, com aumento de 173% nas compras em volume.
Pelos dados oficiais, o Brasil importou US$ 2,11 bilhões de janeiro a agosto em diesel russo -ante US$ 18 milhões em igual período de 2022-, 14,9% a mais que o US$ 1,83 bilhão dos americanos. Em volume, a diferença é maior. Os 3,15 milhões de toneladas do gasóleo vindos da Rússia superaram em 42,9% o de origem americana. A diferença de magnitude entre valores e quantidade, dizem especialistas, revela que os preços fizeram diferença no avanço dos russos.
O movimento russo deslocou e rearranjou o comércio global de derivados, diz Walter De Vitto, consultor da Tendências. “O petróleo e derivados americanos passaram a ser destinados para a Europa e para países alinhados com a causa da guerra. E a oferta russa veio bem a calhar para o Brasil, não só por estar mais disponível, mas por estar mais barata, casando com a nova política da Petrobras “, diz.
Ele destaca que neste ano ficou para trás o chamado Preço de Paridade Internacional (PPI), pelo qual os preços dos combustíveis no mercado doméstico acompanhavam as variações no mercado internacional, considerando a cotação do petróleo e o câmbio. “Os importadores de diesel no Brasil vêm se valendo dos preços para manter o negócio viável.”
O Brasil não é autossuficiente em diesel e importa cerca de 30% do que consome, explica Thiago Vetter, consultor da StoneX. Segundo mostram levantamentos de agência privada, diz ele, o Brasil se tornou, no segundo trimestre deste ano, o segundo maior mercado externo de diesel para os russos, com 13% das exportações, seguindo a Turquia, com 32%. No ano passado, lembra, os principais países compradores do combustível russo eram, na ordem, Alemanha, Turquia, França, Grécia e Holanda.
O avanço russo deslocou o americano no mercado brasileiro. No ano passado, o Brasil importou de janeiro a agosto US$ 5,26 bilhões em diesel americano. O valor adquirido este ano caiu 65%. Do lado dos russos, o fornecimento de diesel ao Brasil praticamente inexistia no ano passado. Em 2023 a evolução mês a mês da importação brasileira de gasóleo russo chama a atenção. Em janeiro o desembarque foi zero. Em fevereiro chegou a US$ 98 milhões e desde então cresceu gradativamente, chegando a US$ 347 milhões em junho, maior valor mensal na primeira metade do ano. Em julho a importação caiu a US$ 242 milhões. Em agosto saltou para US$ 608 milhões.
Para Vetter, a redução em julho no desembarque de diesel russo pode ser explicada por vários fatores. “Creio que o principal está relacionado às manutenções que Rússia costumeiramente faz em seu parque de refino”, diz. Isso acontece, explica antes do verão russo, como preparação para um período de maior demanda. Isso diminui a capacidade de produção e a disponibilidade de combustível, o que também pode ter afetado os descontos que os russos têm dado, diz.
De Vitto avalia que, “em tese”, o novo fluxo de diesel russo ao Brasil pode perdurar até o fim da guerra e das sanções comerciais resultantes dela. “Não sabemos os caminhos da guerra. A situação local está bem crítica, mas se houver, do ponto de vista geopolítico, recrudescimento que leve a uma situação de divisão de mundo em que os países precisem escolher um lado, com exigência de boicotes, seria muito difícil para o Brasil. Uma situação nesse nível não está no horizonte, por enquanto, mas não dá para descartar.”
De forma semelhante aos adubos e fertilizantes no ano passado, o diesel tem puxado a importação brasileira de origem russa, pressionando o déficit comercial para o Brasil nas relações bilaterais. Em todo o ano de 2022 os desembarques brasileiros em produtos russos somaram US$ 7,85 bilhões ante US$ 5,7 bilhões em 2021 e bem acima média anual de US$ 2,74 bilhões de 2011 a 2020. No acumulado até agosto deste ano a importação brasileira de produtos russos somou US$ 5,8 bilhões contra US$ 5,9 bilhões em iguais meses de 2022.
Enquanto a compra externa de produtos russos pelo Brasil atingiu no ano passado o maior valor da série histórica desde 1997, a exportação não cresceu em igual ritmo e está longe dos valores recordes alcançados há mais de dez anos. Em todo o ano passado a exportação brasileira à Rússia somou US$ 1,96 bilhão. De janeiro a agosto deste ano o Brasil embarcou US$ 1,01 bilhão aos russos. O déficit comercial para o Brasil no comércio com a Rússia ficou em US 5,89 bilhões em 2022, o maior na relação bilateral.
Barral lembra que as exportações brasileiras aos russos já foram maiores, puxadas principalmente por carne bovina. O aumento da produção própria de carnes na Rússia e em regiões mais próximas, porém, fez os embarques brasileiros caírem.
Barral destaca, porém, que o déficit gerado com a importação de adubos, fertilizantes ou diesel existiria de qualquer forma, seja com a Rússia, seja com outro fornecedor externo, já que o Brasil depende de importações nesses itens.
Fonte: Udop
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