Saiba por que o equilíbrio psicológico e emocional não é apenas um desafio da sociedade urbana e como setores do agro administram essa questão
Os únicos barulhos perceptíveis em um dia de trabalho de uma fazenda que planta cana-de-açúcar em Piracicaba, no interior de São Paulo, são os de tratores e de colheitadeiras. A cena é das mais comuns no campo. Mas, apesar do clima de aparente tranquilidade, essa sensação nem sempre está presente na lida de uma atividade a céu aberto como o agro. O gestor de operações Abner Aelcio Soares, que trabalha em uma das unidades da Raízen, um dos grupos de bioenergia mais importantes do país e controlado pela Cosan, procurou ajuda após um quadro de dificuldade no gerenciamento das emoções e que já afetava seu trabalho.
Foi no projeto Bem-Estar, oferecido pela empresa, que ele encontrou o apoio de que precisava. Para Soares, o primeiro passo foi entender a importância de cuidar da saúde mental. “Esse tema eu conheci na Raízen. Me cadastrei no grupo para receber informações e isso mudou a minha vida e a de meus familiares”, afirma. O gestor de operações explica que a melhora se deu em vários aspectos. “Hoje, também tenho uma alimentação melhor e consigo praticar esportes de forma regular”, completa.
Não há nada mais equivocado, nos dias atuais, do que tratar a saúde mental como um tema exclusivamente da sociedade urbana. Esse assunto também é um desafio para o agronegócio. E não se trata apenas das áreas do agro em escritórios, dentro de fábricas ou nos serviços ligados ao setor. Saúde mental é um desafio também para os trabalhadores do campo, a céu aberto, uma atividade que pode ser altamente estressante por causa de máquinas sujeitas a quebras, insumos e sementes que podem atrasar, vaca que não emprenhou, falta de chuva, chuva em excesso, fruta que não vingou, ataque de pragas, doenças e mais um infinidade de percalços aos quais é quase, ou muito difícil, de serem evitados. Sem contar o estresse da colheita, da logística e do planejamento para o próximo ano, porque certamente ele virá.
De acordo com Carmem Miriam Rocha, psicóloga clínica e coordenadora do Serviço de Psicologia do Hospital Municipal Doutor Cármino Caricchio, em São Paulo, não existe diferença entre trabalhador rural ou urbano, pois todos estão sujeitos, em determinados processos da vida, a desenvolverem transtornos psicológicos e emocionais.
“No centro dessa discussão está cada um de nós, cidadãos urbanos ou rurais; moradores de diferentes regiões da cidade, estado ou país, porém, com uma necessidade em comum: os cuidados com a saúde, como um todo, inclusive a mental”, afirma Rocha. “Somos constituídos, enquanto humanos, por uma estrutura intrapsíquica, que é a subjetividade, e a extra-psíquica, que é o ambiente em que vivemos e tudo o que envolve o coletivo, o social, o econômico e o político. Por isso, ambas as estruturas nos influenciam e podem potencializar o adoecimento”, completa.
Segundo a médica, no imaginário coletivo, por muitas vezes a área rural e consequentemente os trabalhadores e moradores dessas regiões são tidos como atrasados em relação ao acesso às informações. “Mas essa visão vem se transformando aos poucos, felizmente”, afirma.
Tratar de saúde mental nas fazendas ainda é uma novidade no Brasil, mas não deveria ser. Os números em relação à ansiedade e à depressão dão uma ideia do tamanho do problema. Uma pesquisa de 2017, que é atualizada periodicamente pela OMS (Organização Mundial da Saúde), entidade ligada à ONU (Organização das Nações Unidas), mostra que o Brasil é o país mais ansioso do mundo e está em quinto lugar no diagnóstico de depressão, liderando na América Latina. A estimativa é que 18,6 milhões de brasileiros sofram com transtorno de ansiedade ou depressão
Nos Estados Unidos, país que lidera o ranking da OMS em casos de depressão e está na terceira posição entre os países com a população mais ansiosa do mundo, saúde mental nas fazendas e como dar suporte à população rural estão na ordem do dia.
De acordo com o National Institute of Mental Health (Instituto Nacional de Saúde Mental), órgão do governo norte-americano e maior organização de pesquisa especializada em saúde mental do mundo, 81% dos condados rurais do país necessitam de enfermeiros psiquiátricos e cerca de 65% dos condados precisam de médicos psiquiatras para tratamentos. Nos EUA, condados são as subdivisões regionais de um estado. Hoje, são 3.141 condados no país (média de 62 por estado).
A pandemia da Covid-19, em 2020-21, perturbou ainda mais as estruturas de atendimento nos EUA. Não por acaso, ganharam forças grupos como o Farm Crisis Center, da National Farmers Union, e plataformas como a Farm State of Mind, da American Farm Bureau Federation.
Fonte: Flávia Macedo / Forbes Agro
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