De acordo com estudo, microrganismo geneticamente modificado apresentou potencial para otimizar em até 60% a produção do etanol celulósico
Uma nova cepa geneticamente modificada da levedura Saccharomyces cerevisiae demonstrou, em condições semelhantes às industriais, potencial para otimizar em até 60% a produção de etanol de segunda geração (2G) sem a necessidade de aumentar a área plantada de cana-de-açúcar. Segundo resultados divulgados na revista Scientific Reports, a inovação poderá também reduzir parte dos custos da indústria.
O estudo foi conduzido por pesquisadores da Universidade de São Paulo (USP) e colaboradores, com apoio da Fapesp.
A plantação de cana-de-açúcar e seu processamento agroindustrial geram todos os anos milhões de toneladas de biomassa lignocelulósica, resíduo de matéria orgânica composto de lignina, celulose e hemicelulose. Atualmente destinada à queima para a geração de energia elétrica, essa biomassa também pode servir de matéria-prima para a fabricação do etanol 2G, considerado um dos combustíveis com menor pegada de carbono do mundo justamente por utilizar resíduos do processo de fabricação do etanol comum e do açúcar.
Há, no entanto, um obstáculo para o uso da biomassa lignocelulósica: por se tratar de um açúcar complexo, ela não é metabolizada naturalmente pelo microrganismo utilizado na produção tradicional de etanol, a levedura Saccharomyces cerevisiae. Durante a fabricação do combustível 2G, é necessário realizar uma etapa extra de pré-tratamento, com altas temperaturas e altas pressões, e uma etapa de hidrólise, com enzimas que quebram os açúcares e os tornam disponíveis para a fermentação. Somente então é possível a conversão em etanol.
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No estudo recentemente publicado, os pesquisadores lançaram mão de sequências gênicas de enzimas encontradas em outros fungos para construir uma nova versão da levedura, capaz de transportar e degradar internamente componentes da hemicelulose (oligossacarídeos) que compõem a biomassa lignocelulósica. Os genes foram, então, inseridos em S. cerevisiae, dando origem a uma nova cepa.
Desenvolvida em parceria com pesquisadores das universidades Estadual de Campinas (Unicamp), de Illinois, nos Estados Unidos, e de Bath, no Reino Unido, e testada em um meio próximo ao industrial, a nova levedura carrega ainda outras modificações importantes, segundo os pesquisadores. Por meio da substituição de determinados genes, ela pode metabolizar ácido acético, produto da digestão da hemicelulose normalmente não consumido pelas leveduras, tóxico e que compromete o processo de fermentação.
“Atuamos com engenharia metabólica para dar à levedura a capacidade de ser autossuficiente em processos que ela não seria naturalmente”, explica a pesquisadora Dielle Pierotti Procópio, do Instituto de Química (IQ) da USP e primeira autora do estudo. A cepa mutante produziu 60% mais etanol e 12% menos xilitol (gerado a partir da xilose) do que a cepa controle.
Econômica e ambientalmente correta
O destaque da nova levedura é sua capacidade de aumentar a produção do etanol de segunda geração sem demandar a ampliação da área plantada de cana-de-açúcar. Além disso, pelo fato de ser capaz de metabolizar açúcares complexos, a biomassa não precisa passar por tratamentos químicos severos – esse tipo de processo costuma demandar condições específicas de temperatura e pressão, consumindo mais energia e gerando uma quantidade considerável de resíduos agressivos ao meio ambiente.
Outra vantagem, conforme o estudo, é a redução de custos para a indústria. “Normalmente, os fabricantes precisam comprar enzimas que digerem açúcares complexos, o que encarece consideravelmente o processo – é um custo extra que não existe na produção do combustível tradicional”, explica o professor Thiago Olitta Basso, do Departamento de Engenharia Química da Escola Politécnica (Poli) da USP e coordenador do estudo.
“Além disso, condições mais amenas de pré-tratamento levam à diminuição da produção de certos compostos tóxicos, o que permite uma fermentação melhor do etanol de segunda geração e contribui ainda mais para o rendimento”, completa Basso.
De acordo com os pesquisadores, trabalhos futuros podem explorar ainda o potencial dessa nova levedura para controlar bactérias contaminantes, geralmente bactérias láticas, que comprometem o rendimento, pois esses açúcares complexos não são metabolizados por tais contaminantes. Isso reduziria o peso ambiental do uso de antibiótico na indústria.
Fonte: Agência Fapesp
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