As mudanças climáticas têm causado um aumento da região com clima semiárido no Brasil. Dados do Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais (Cemaden) e do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) apontam uma expansão de 7,5 mil quilômetros quadrados ao ano desde 1990 – algo equivalente a cinco vezes a área da cidade de São Paulo. Esse cenário pode comprometer o cultivo de algumas plantas, como, por exemplo, a cana-de-açúcar, utilizada na geração de bioenergia.
Com isso em mente e com o desejo de encontrar soluções para mitigar as alterações do clima, um grupo de pesquisadores brasileiros começou a buscar plantas com potencial para serem usadas na geração de bioenergia e que podem ser cultivadas onde o clima não é favorável à cana-de-açúcar. E assim decidiram se dedicar ao estudo do Agave, um gênero de plantas suculentas que abrange mais de 200 espécies e é muito usado, no México, para a fabricação da tequila.
O trabalho vem sendo conduzido com apoio (projetos 20/02524-0, 22/09349-5, 23/16853-4 e 24/06624-0) da FAPESP no âmbito do projeto Brazilian Agave Development (Brave, Desenvolvimento do Agave Brasileiro), uma parceria que envolve a Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), a empresa Shell e outras instituições de ensino e pesquisa, como Senai Cimatec, Universidade Federal do Recôncavo da Bahia (UFRB), Universidade de São Paulo (USP) e Universidade Estadual Paulista (Unesp). Resultados recentes foram apresentados na segunda-feira (14/10), durante a FAPESP Week Itália, pelo professor do Instituto de Biologia da Unicamp (IB-Unicamp) Marcelo Falsarella Carazzolle, que coordena a iniciativa ao lado de Gonçalo Pereira, também do IB-Unicamp. O evento, que terminou ontem (15/10), foi realizado em parceria com a Alma Mater Studiorum – Università di Bologna (Unibo).
“No Brasil a principal espécie cultivada é a Agave sisalana, cujas folhas são usadas na fabricação da fibra do sisal. Porém, esse processo aproveita apenas 4% da planta, gerando um grande volume de resíduos que hoje é colocado no campo para degradar”, contou o pesquisador. “Contudo, é possível gerar bioenergia tanto a partir do suco extraído das folhas, que é rico em inulina, um tipo de açúcar, quanto a partir do bagaço, rico em celulose. Além das folhas, a pinha do agave também acumula muita inulina que pode ser utilizada. As plantas demandam menos água e fertilizantes [em comparação com a cana], crescem em cinco anos e geram 800 toneladas de biomassa por hectare.”
O grupo tem coletado diferentes espécies de agave em todo o Brasil e em países como México e Austrália para compor um banco de germoplasma. E investiga o fenótipo das plantas, avaliando a composição de açúcares, a taxa de fotossíntese e de crescimento, o quanto necessita de irrigação e sua relação com o solo, entre outros fatores. Com base nessas informações, desenvolve estratégias que ajudem a superar os desafios envolvidos na transformação do agave na “cana do sertão”.
Uma das principais dificuldades é que a levedura normalmente usada na produção de etanol, a Saccharomyces cerevisiae, não é capaz de metabolizar a inulina, que é um polímero de frutose e precisa ser hidrolisado para liberação de açúcares fermentescíveis. O grupo desenvolveu uma cepa geneticamente modificada para esse fim e a patente do processo foi depositada no Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI). Também foram desenvolvidas e patenteadas leveduras modificadas para metabolizar a xilose, um dos açúcares presentes no bagaço (leia mais em: agencia.fapesp.br/52235).
Outro desafio tem sido a busca de bioestimulantes e fertilizantes capazes de acelerar a taxa de crescimento do agave, considerada lenta. “Estamos patenteando um composto que aumenta em duas vezes [a taxa de crescimento] e identificamos outros quatro, que se mostraram promissores, avaliando as bases moleculares e seus mecanismos de ação”, contou.
Outro avanço foi o desenvolvimento de uma planta geneticamente modificada para se tornar tolerante ao glifosato, um dos herbicidas mais usados no mundo. “Patenteamos o protocolo para transformação genética do agave, pois mesmo no semiárido a competição com ervas daninhas é grande.”
O objetivo final do projeto é tornar possível produzir não apenas etanol a partir do agave, como também biometano, bio-hidrogênio e biochar.
Agricultura de precisão
A palestra apresentada por Carazzolle integrou um painel dedicado a debater o sistema agroalimentar e o desenvolvimento sustentável. Outros participantes foram Lucas Rios do Amaral, da Faculdade de Engenharia Agrícola (Feagri) da Unicamp; Valda Rondelli e Matteo Vittuari, ambos do Departamento de Ciências Agrícolas e Alimentares da Unibo. A coordenação da mesa foi feita por José Paulo Molin, professor da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (Esalq-USP).
“A agricultura tem crescido rapidamente no Brasil. A produção começou a escalar no país por volta de 1950/1960. O starting point desse processo foi o começo da mecanização, que tornou possível cultivar grandes áreas. E isso está intimamente ligado à chegada dos imigrantes, principalmente da Itália e da Alemanha. E eles ainda estão no país hoje, na forma de grandes empresas [produtoras de máquinas agrícolas]”, contextualizou Molin. “Agora estamos dando o próximo passo que é a automação. Isso envolve, por exemplo, ferramentas de inteligência artificial embarcada nas máquinas”, disse o professor da Esalq ao introduzir o tema abordado na palestra de Amaral, que apresentou resultados de um projeto financiado pela FAPESP.
“Precisamos aumentar a produção de comida porque a população está crescendo. Mas é preciso otimizar o uso de recursos naturais, tornar o processo mais sustentável. A fertilização é um dos recursos mais importantes para nós, pois no Brasil temos solos pobres. O uso inadequado de fertilizantes aumenta os custos de produção e causa impactos ao meio ambiente. Nesse cenário, a agricultura de precisão se torna uma alternativa”, explicou Amaral.
Há uma grande variabilidade na qualidade do solo em regiões agrícolas e tratar toda a área de forma homogênea representa um desperdício de recursos, acrescentou o pesquisador. Para evitar isso, o agricultor precisa contratar empresas que avaliam essa variabilidade por meio da coleta manual de inúmeras amostras, que são analisadas em laboratório. Os resultados dão origem a um “mapa de prescrição”, que indica onde é preciso aplicar mais ou menos determinado produto.
O objetivo do projeto de Amaral é otimizar a coleta de amostras por meio de dados obtidos a partir de sensoriamento remoto (satélite e drones) e proximal (equipamentos embarcados em tratores, por exemplo). “Meu foco não é prover o mapa para o agricultor e sim dar suporte aos prestadores de serviço que fazem isso. Centenas de empresas fazem a coleta de amostras para gerar o mapa. Tento deixar esse processo mais eficiente, de modo que seja preciso coletar menos amostras para gerar um mapa ainda mais preciso”, explicou à Agência FAPESP.
Valda Rondeli apresentou projetos ligados ao desenvolvimento de veículos autônomos de uso agrícola, entre eles tratores. A ideia é usar equipamentos inteligentes para obter dados e desenvolver sistemas capazes de apoiar a tomada de decisão nas fazendas. “Estamos no tempo do big data. Precisamos usar inteligência artificial para manejar os dados e obter a informação certa no tempo certo”, pontuou.
Já Matteo Vittuari tratou de como estimular políticas públicas voltadas a promover a transformação do sistema alimentar e o desenvolvimento sustentável. E também falou sobre como engajar os cidadãos e as instituições nesse processo e como medir os impactos dessas estratégias.
Por:Karina Toledo Fonte: Agência FAPESP
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