Comprometido com o Acordo de Paris, em coro reforçado por Lula durante a COP-27 ao fim do ano passado, o Brasil deve pavimentar nos próximos meses o rumo da Política Nacional de Biocombustíveis (Renovabio), com a atualização de metas mais ou menos ambiciosas para descarbonizar os transportes por meio dos Cbios — os créditos de descarbonização.
Fruto da Lei do Renovabio promulgada em 2017, referendando o compromisso do país em reduzir suas emissões de carbono, o Cbio é o principal instrumento de crédito de carbono do Brasil: 1 unidade corresponde a 1 tonelada evitada de CO2.
Inspirado em programas similares da Califórnia, nos Estados Unidos, o Cbio tem como missão descarbonizar a matriz de transportes brasileira, por meio da transferência de recursos de quem consome combustível fóssil para quem produz biocombustíveis. Ao fim da viagem, a partir desse financiamento em produção, estima-se um aumento da capacidade de oferta, o que tende a baratear os biocombustíveis.
Para tanto, o funcionamento do mercado conjuga, do lado comprador, a chamada demanda obrigatória, que são as distribuidoras de combustíveis, obrigadas a comprar Cbios para compensar a emissão de gases do efeito estufa, conforme uma meta definida pelo Conselho Nacional de Política Energética (CNPE). E do lado vendedor, os produtores de biocombustíveis, que certificam suas usinas para ingressar no Renovabio, e aí passam a emitir Cbios a partir da venda de biocombustíveis.
Depois de gerar o Cbio a partir de uma venda de biocombustível, a usina procura uma instituição financeira para escriturar esse crédito e aí transformá-lo em um ativo financeiro (CBIO), negociado na B3 (BVMF:B3SA3). A distribuidora, por sua vez, depois de comprar o Cbio deve “aposentá-lo” dentro do prazo, ou seja, retirá-lo do mercado para cumprir a função de descarbonização, atendendo a meta do CNPE. O custo da aquisição se insere na precificação de combustíveis fósseis, como diesel e gasolina.
Trata-se de um mercado regulado que estabelece uma meta anual obrigatória de demanda — cada ano maior — a favor do compromisso do país, em uma tendência que precisa atrair a resposta do lado da oferta, sob o risco de escassez de Cbio.
O Comitê Renovabio já iniciou os trabalhos para a definição da meta de descarbonização dos transportes para 2024, que pode ser revisada para baixo em meio à probabilidade de uma nova safra de cana-de-açúcar com mix mais açucareiro.
“A previsão é que saia uma consulta pública sobre essas metas em setembro de 2023”, informou o Ministério de Minas e Energia. Em seguida, conforme o rito do programa, a pasta vai apresentar uma proposta ao CNPE, que deve ser aprovada e publicada até o mês de novembro. O Comitê Renovabio é a instância técnica do Renovabio.
Risco de déficit
Atualmente em 50,8 milhões de Cbios que precisam ser adquiridos até dezembro do ano que vem, a meta de 2024 é uma das principais incógnitas do mercado. Participantes temem um possível desbalanceamento entre oferta e demanda dos créditos. A expectativa do mercado para a geração de Cbios neste ano gira em torno de 39-42 milhões de créditos.
Mesmo se a safra de cana de 2024-25 prosseguir com um mix mais açucareiro, o volume de etanol disponível no mercado tende a aumentar devido ao avanço da moagem — prevista para atingir 600 milhões de t de cana no atual ciclo — e da maior presença do etanol à base de milho. Ainda assim, a meta é considerada “muito ousada” por participantes de mercado.
A disponibilidade de etanol é uma parte da história do lado da oferta, mas o Cbio só é gerado a partir da venda do biocombustível. E o ambiente do mercado de etanol tem desanimado os usineiros. Os cortes de preços aplicados pela Petrobras (BVMF:PETR4) na gasolina vendida em suas refinarias ampliam a competitividade do combustível fóssil na bomba, enfraquecendo as vendas de etanol.
Por outro lado, convém lembrar pontos no radar em termos de mandatos de biocombustíveis. A partir de abril de 2024, o percentual de mistura de biodiesel no diesel subirá de 12pc para 13pc. Além disso, há a proposta em curso de elevação do teor de etanol anidro na gasolina, de 27,5pc para 30pc. Ambos os movimentos vão na direção de maior oferta de Cbios.
Por ora, as apostas no mercado para um eventual ajuste da meta de 2024 se situam entre os 50,8 milhões de Cbios e o limite inferior do intervalo de tolerância estipulado, de 42,3 milhões de Cbios, sem retroceder tanto. Alguns participantes destacam a sinalização do governo em prol do fortalecimento do Renovabio e, por isso, não esperam que o programa fique tão menos ambicioso, apesar das críticas de distribuidoras de combustíveis diante da alta recente de preços.
Preços dos Cbios
O preço do Cbio vinha subindo desde o fim de abril e chegou a atingir o maior nível de 2023 no início de julho, batendo R$150 na B3, antes de passar por um ajuste e desacelerar para cerca de R$120, nos últimos dias. No ano, acumula elevação de cerca de 40pc. A valorização refletiu uma concentração de compras do lado da demanda que elevou o volume de negociação de Cbios: foram aproximadamente 5-6 milhões de Cbios entre maio e junho, em comparação com cerca de 2 milhões de Cbios no início do ano.
Além de grandes distribuidoras que prosseguem no planejamento de aquisições mensais de Cbios, visando o atendimento da meta de 2023 — que deve ser comprovada em março de 2024 –, há uma movimentação de distribuidoras regionais que ainda precisam entrar no mercado para cumprir a meta de 2022 — cujo prazo se encerra em setembro deste ano.
Do ponto de vista de oferta, entretanto, o cenário é relativamente confortável para as metas de 2022 e 2023. No fim de junho, o volume de Cbios disponíveis nas mãos da “parte obrigada” mais o que já foi aposentado somava 50,6 milhões de títulos. Os Cbios aposentados totalizavam 72pc da meta anual de 2022 (36 milhões de Cbios) e ainda sobravam 21,5 milhões de Cbios, ou 57pc da meta de 2023 (37,5 milhões de Cbios).
Conrado Mazzoni
Especialista no mercado de Cbios, com mais de 18 anos de experiência na cobertura de economia, finanças e commodities. Possui MBA em economia comportamental pela FGV.
Fonte: Investing.com
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