Participação considerada ideal é de 10% em 2030, o que não será atingido, segundo pesquisadora; setor deve ganhar impulso no Brasil com marco regulatório e aumento da atratividade para o capital externo
A participação global do combustível sustentável de aviação (SAF) no mercado aéreo em 2027 deve atingir apenas 2%, patamar muito distante para contribuir com as metas climáticas sobre as emissões líquidas de carbono até 2050.
A estimativa é da pesquisadora do Centro de Política Energética da Columbia University, Luisa Palacios, em entrevista ao Estadão/Broadcast. O ideal seria a participação de 10% em 2030, o que não será atingido, na avaliação dela.
Em contrapartida, segundo a pesquisadora e especialistas brasileiros ouvidos pela reportagem, o Brasil deve ganhar um impulso no setor, com o marco regulatório sendo estabelecido no Congresso e o aumento da atratividade para o capital externo. O projeto de lei batizado de Combustível do Futuro (PL nº 528/2020) é classificado como um ponto de virada para o setor, ao criar programas nacionais de diesel verde, biogás, biometano e combustível sustentável para aviação.
“Eu vejo os frameworks (estruturas) regulatórios em outras partes do mundo e o Brasil está colocando as peças no lugar para que os projetos de SAF sejam financiáveis, comerciais, e de interesse para os investidores internacionais”, defende a pesquisadora de Columbia.
Ainda sem produção industrial no país, há diferentes anúncios de projetos em andamento para possibilitar a participação do combustível sustentável no setor aéreo, casos da Acelen, Brasil BioFuels, Petrobras, Raízen e Refinaria Riograndense.
“O Brasil pode ser um dos mais importantes, senão o mais importante produtor de SAF no mundo. Só a partir de resíduos agrícolas a nossa capacidade de produção varia de 6 a 9 bilhões de litros considerando somente uma rota de produção”, analisa o pesquisador João Victor Marques, da FGV Energia.
Esse patamar seria suficiente para atender a demanda do mercado interno. O consumo do querosene de aviação (QAV) no Brasil foi de 7 bilhões de litros em 2019, antes da pandemia, e 6,8 bilhões de litros em 2023. Os dados são da Empresa de Pesquisa Energética (EPE).
Até o momento, são sete rotas mapeadas para futura produção do SAF, segundo a Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP). A matéria-prima inclui resíduos sólidos urbanos; resíduos agrícolas e florestais; óleos vegetais; gorduras vegetais e animais; cana-de-açúcar; ou ácidos graxos (compostos orgânicos).
A ANP regulamenta, por meio da Resolução nº 856, de 2021, as especificações técnicas e rotas de produção dos querosenes de aviação alternativos. O SAF tem potencial de redução de 20% a 95% das emissões de gases do efeito estufa (GEE) em comparação com o combustível de aviação de petróleo, segundo relatório de 2022, apresentado pelo Projeto Combustíveis Alternativos sem Impactos Climáticos (ProQR) – cooperação técnica entre o governo brasileiro e alemão. A redução na emissão de poluentes depende da matéria-prima e das tecnologias utilizadas.
Investimentos
A sócia da gestora eB Capital, Luciana Antonini Ribeiro, avalia que o país está estabelecendo uma vantagem competitiva na dinâmica de risco-retorno no setor de biocombustíveis. O amplo mercado consumidor interno também ajuda nesse cenário de maior atratividade.
“Somos o segundo maior produtor de biocombustíveis e temos uma quantidade incrível de biomassa, o que é altamente relevante quando falamos de transição. O setor privado está aproveitando essa capacidade? Sim, mas poderia fazer muito mais”, diz Ribeiro.
O Anuário Estatístico Brasileiro do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis de 2024, divulgado em junho, aponta que a produção de biocombustíveis atingiu recorde de 43 bilhões de litros de etanol e biodiesel produzidos no ano anterior.
Porém, especificamente para os combustíveis que prometem substituir o querosene de aviação (QAV), a necessidade de infraestrutura e toda a cadeia tecnológica de processamento são os principais gargalos para a garantia de competitividade econômica.
Para 2024, a Associação do Transporte Aéreo Internacional (Iata) tem a projeção de produção de 1,9 bilhão de litros de combustíveis sustentáveis de aviação no mundo, ou apenas 0,53% da necessidade para consumo no globo.
No Brasil, o estado de São Paulo é apontado como uma das áreas de maior relevância, em função das culturas de cana-de-açúcar. A implantação de biorrefinarias reduziria as restrições de logística e custos de transporte.
Governo
O Ministério de Minas e Energia (MME) instituiu este mês um grupo de trabalho (GT) para propor medidas e diretrizes para o mercado nacional de combustíveis aquaviários, combustíveis de aviação e gás liquefeito de petróleo.
O GT vai subsidiar a regulamentação do chamado Programa Nacional de Combustível Sustentável de Aviação (ProBioQAV), que é parte da regulamentação esperada a partir da sanção do projeto de lei Combustível do Futuro.
Em visita ao Chile em agosto deste ano, o ministro Alexandre Silveira também formalizou a criação de outro grupo de trabalho, em parceria com o Ministério de Energia chileno. A cooperação técnica é destinada ao levantamento de melhores práticas e experiências regulatórias dos combustíveis sustentáveis de aviação.
“O setor de biocombustíveis se beneficiará de uma onda de investimentos provenientes de atores buscando descarbonizar suas atividades, além de outras iniciativas de estado como incentivos fiscais e financiamento público”, analisa Ali Hage, sócio da área de óleo e gás do Veirano Advogados.
Já tendo em vista a aprovação do projeto de lei, a ANP e Agência Nacional de Aviação Civil (Anac) anunciaram na semana passada um acordo de 60 meses para o desenvolvimento de um arcabouço regulatório para a inserção dos combustíveis sustentáveis de aviação (SAF) no Brasil. O projeto de lei prevê mandato nacional para SAF em mistura com querosene de aviação fóssil a partir de 2027.
“O sinal do governo para o mercado de que isso (biocombustíveis) é uma prioridade já está trazendo mais confiança para o investidor. Só a discussão já está movimentando o mercado”, pondera a presidente-executiva da Associação Brasileira de Biogás, Renata Isfer.
Em 2027 e 2028, as empresas aéreas deverão diminuir a emissão de gases do efeito estufa em no mínimo 1% em cada ano. A partir de 2029, a meta de redução aumenta um ponto porcentual anualmente até 2037 – quando deverá atingir pelo menos 10%. Essa é a previsão do texto aprovado no Congresso a partir de proposta apresentada inicialmente pelo MME.
Por: Renan Monteiro Fonte: Nova Cana
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