Produção na safra 2025/26 deverá ser prejudicada, indica Orplana
A forte estiagem que atingiu o Centro-Sul neste ano e os incêndios decorrentes da seca nas lavouras de cana deram margem para o aumento da incidência de pragas e o surgimento de novas doenças nas plantações, que estão agravando as perspectivas de redução da produção sucroenergética para a safra atual (2024/25) e a próxima (2025/26).
Um dos problemas agronômicos “novos” nos canaviais é a Murcha do Colmo, em que a cana se apresenta avermelhada ou amarronzada em seu interior. Até pouco tempo atrás, os produtores vinham confundindo o sintoma com o raquitismo que costuma ser provocado pela seca.
Contudo, trata-se de um “consórcio! de três fungos, explicou o presidente da Organização de Associações de Produtores de Cana do Brasil (Orplana), José Guilherme Nogueira, em apresentação nesta segunda-feira, 21, durante a 24ª Conferência Internacional Datagro. “Tem áreas com perda de 40% a 45% de produtividade até o ano passado, e não é só [pela] seca, mas também pela murcha”, afirmou.
Por se tratar de um problema relativamente novo nos canaviais, os agrônomos da Datagro, por exemplo, vêm orientando os produtores a erradicarem as lavouras e deixarem a terra descansando por dois anos. “É algo sério”, ressaltou o presidente da consultoria Datagro, Plinio Nastari.
A consultoria estima agora que a moagem de cana desta safra será de 593 milhões de toneladas, o que deve representar uma quebra de 9,4% ante a safra passada. Apenas a produtividade da temporada deve recuar 11,7%, para 77,2 toneladas por hectare, projetou a Datagro.
Como consequência, a produção de açúcar deve recuar 8,8%, para 38,7 milhões de toneladas, enquanto a fabricação de etanol deve ceder 1,2%, para 33,18 bilhões de litros. A redução deve ser maior no açúcar porque a seca também está prejudicando a capacidade de cristalização da sacarose extraída da cana, aumentando o processo conhecido como isoporização, em que os tecidos do colmo da cana ficam desidratados. O aumento da incidência de pragas agrava esse problema.
“Esperávamos um mix mais açucareiro [nesta safra], porque a capacidade de cristalização [produção de açúcar] cresceu 2,3 milhões de toneladas do ano passado para cá. Mas esse açúcar não veio por causa da isoporização da cana”, afirmou Nastari. O problema afetou o planejamento das usinas, que estão produzindo mais etanol do que o esperado, apesar do açúcar estar remunerando mais.
Outras pragas também aumentaram nos canaviais neste ano, como o bicudo da cana (Sphenophorus levis), um besouro que tem potencial para matar touceiras de cana e que ainda é de difícil controle. “Há oito anos brigamos com o Sphenophorus e ainda não temos uma tecnologia eficiente. Já se faz rotação para quebrar o ciclo [da praga], controle por biológicos. As empresas têm buscado soluções, com o CTC, a Ridesa e o IAC, mas ainda precisamos de muito mais”, disse Nogueira. Outro problema que voltou às lavouras de cana nesta safra, disse, é a cigarrinha.
Parte do aumento das infestações de pragas decorre também dos incêndios. “Quando se queima o colchão de palha [que fica no solo após a colheita], e com o impacto sem chuvas, vemos pragas se aproveitando”, acrescentou. A projeção de moagem de cana da Orplana para esta safra é bem próxima da Datagro, com 590 milhões de toneladas.
Segundo o dirigente, o principal fator é a baixa precipitação, mas não só. O volume médio de chuvas nas áreas de cobertura da organização no Centro-Sul registraram uma precipitação de 506 milímetros de janeiro a outubro deste ano, em comparação com 1.176 milímetros no mesmo período do ano passado. Mas outras alterações climáticas também vêm afetando as lavouras, como o padrão das chuvas e as temperaturas.
“A frequência de chuvas não é mais a mesma. [As chuvas estão] mais concentradas e com volume às vezes maior, o que acaba estragando os canaviais”, detalhou Nogueira. As ondas de calor também são um problema. “Não se falava em ondas de calor há três anos, ninguém sabia o que era. Sabíamos o que era veranico, [um período de] uma semana a dez dias de clima mais seco. Já as ondas de calor são com temperaturas de 38°C no inverno em Ribeirão Preto, e por duas a três semanas”, alertou.
Segundo o presidente da Orplana, os produtores já aumentaram os investimentos em manejo neste ano diante das adversidades agronômicas maiores, incluindo iniciativas de irrigação de salvamento e gotejamento. A expectativa da organização é de investimentos maiores na próxima safra.
A deterioração dos canaviais deve ter efeitos no longo prazo. A Datagro ainda não tem uma projeção para a produção sucroenergética na temporada 2025/26, que começa oficialmente em abril do ano que vem, mas Plinio Nastari ressaltou que a seca está impactando o desenvolvimento tanto da cana recém-plantada como a de rebrota (cana-soca), o que deve afetar a oferta de cana no primeiro terço da safra.
Além disso, ele reforçou que os incêndios que atingiram áreas de rebrota também vão atrasar o desenvolvimento fisiológico das plantas. “Há probabilidade de problemas de correspondência entre o desenvolvimento da cana e o estágio de maturação. Vai ter cana que vai ter que se colhida independentemente do seu estágio adequado de corte, e isso vai impactar a produtividade e o rendimento industrial”, coloca.
Nastari acrescentou que a seca e os incêndios também provocaram falhas de brotação, o que favorece o surgimento de plantas daninhas que podem ameaçar o rendimento agrícola da próxima safra.
Replantio e custos
Outro desafio de longo prazo é o replantio de cana. Por causa da seca e do fogo, os produtores estão com dificuldade para produção de mudas para o plantio de cana de ciclo de 12 meses, o que pode afetar até a safra 2026/27, avaliou Nastari. Já Nogueira acredita que, apesar das dificuldades de oferta de mudas, os produtores deverão aumentar a renovação dos canaviais na próxima safra para uma taxa de 19% da área de cultivo, versus 16,56% nesta temporada.
Por causa da quebra de oferta de cana e da necessidade maior de tratos culturais, a Datagro estimou que o custo agroindustrial deve crescer 9,1% nesta safra. Segundo Nastari, esse aumento deve refletir custos maiores com diesel e irrigação, principalmente.
Ainda assim, a produção de açúcar do Brasil deve se manter a mais competitiva globalmente. Segundo a consultoria, o custo de produção no país deve ficar em 15,44 centavos de dólar a libra-peso. A Tailândia, segundo maior exportador de açúcar, tem um custo de produção estimado em 21,03 centavos de dólar a libra-peso, e a Austrália, que também é exportadora, tem um custo estimado em 18,28 centavos de dólar a libra-peso. Atualmente, o preço do açúcar está acima de 22 centavos de dólar a libra-peso.
Segundo Nastari, os preços subiram para se aproximar da paridade de produção de etanol na Índia, de forma a estimular os produtores locais a destinarem maior parte do melaço para a produção do açúcar ao invés do biocombustível. Recentemente, o governo indiano autorizou as usinas a decidirem sobre o destino de sua produção de cana.
Para o analista, o mercado deve continuar “construtivo”, já que o consumo global continua demandando um aumento de oferta de 1,8 milhão a 2 milhões de toneladas por ano. Em sua projeção, a safra internacional 2024/25, iniciada neste mês, deve ter um déficit de oferta de 3,08 milhões de toneladas, o terceiro ano seguido de produção abaixo do consumo, e uma relação entre estoques finais e consumo caindo para 41,5%.
Por: Camila Souza Ramos Fonte: Nova Cana
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