O Ministério de Minas e Energia apresentou na última semana um plano que prevê inserir no RenovaBio novos combustíveis na estratégia de descarbonização dos transportes e até outros ativos ambientais que não os relacionados a combustíveis renováveis, o que na prática vai reduzir o papel que os bicombustíveis têm no programa. Ao mesmo tempo, o ministério vai transferir o ônus do custo do carbono, que hoje recai sobre as distribuidoras, para os fornecedores de combustíveis fósseis – no caso atual, principalmente a Petrobras.
Antecipadas ao setor privado em reunião na última quinta-feira, as mudanças devem integrar uma sugestão de medida provisória. O governo pediu que as entidades que representam os setores envolvidos deem um parecer sobre as propostas já nesta segunda.
O plano de mudança surge após pressão das distribuidoras, sobretudo as regionais, que se queixam da incerteza da oferta de Créditos de Descarbonização (CBios) – que equivalem a 1 tonelada de carbono que deixa de ser emitida – e do custo do programa. As reclamações ganharam corpo em junho, quando o preço dos CBios disparou, saindo de cerca de R$ 100 para mais de R$ 200. Segundo especialistas, as distribuidoras regionais têm mais dificuldade de repassar o valor dos CBios aos combustíveis fósseis, o que diminuía suas margens, que já são apertadas.
Na parte da oferta de créditos, o ministério quer incluir entre os combustíveis capazes de emitir CBios os fósseis processados junto com biocombustíveis. Hoje, a Petrobras é a única refinaria que possui patente de um combustível do tipo, o HBio, diesel com 5% de origem renovável (vegetal ou gordura). Na mudança, a fatia de 5% seria a emissora de CBio.
A Pasta quer incluir também os combustíveis sintéticos (ou “e-combustíveis”), que podem ser obtidos do processamento de carvão vegetal, biomassa, biogás, água e até do gás carbônico. A tecnologia ainda está em fase de desenvolvimento em grandes petroleiras e empresas de energia.
Produtores e importadores desses “novos” combustíveis ainda teriam um bônus de 20% sobre sua nota de eficiência energético-ambiental, que é o que determina quantos CBios cada produtor pode emitir. A lei do RenovaBio já prevê esse bônus para produtores de biocombustíveis com emissão negativa de carbono em seu ciclo de vida.
O Ministério de Minas e Energia quer ainda que os mandatos também possam ser cumpridos com a aquisição de outros ativos ambientais não relacionados a combustíveis, como créditos de carbono em geral e Cédulas de Produtor Rural (CPRs) Verde – instrumentos de garantia de crédito ligados à conservação e recuperação de vegetações nativas.
Para especialistas, essas alterações mudariam a estrutura do programa, já que incluiriam novos elementos de oferta de ativos. Isso faria com que o RenovaBio deixasse de ser um programa voltado apenas ao estímulo dos biocombustíveis como estratégia de descarbonização dos transportes.
Em proposta relacionada à demanda, o ministério quer desobrigar as distribuidoras da compra de CBios e de outros ativos ambientais, passando esse mandato às refinarias e importadores de combustíveis fósseis. A justificativa da Pasta é que a mudança reduziria os preços ao consumidor final. Não há consenso no mercado, porém, sobre o impacto do valor dos CBios no preço final dos combustíveis.
Essa mudança retira o ônus que hoje recai sobre as três maiores distribuidoras (Vibra, Raízen e Ipiranga), que respondem por cerca de dois terços do mandato de CBios, e sobre as cerca de cem distribuidoras médias e pequenas em operação. A responsabilidade passa a ser da Petrobras e dos compradores de refinarias da estatal, como o fundo árabe Mubadala e a distribuidora Atem, além de importadores de fósseis, que dependem da paridade de preços de importação para atuar no Brasil.
Na prática, as mudanças propostas pelo Ministério de Minas e Energia colocam a Petrobras nos dois lados do mercado: como emissora de CBios, por meio de seu HBio, e como principal compradora dos créditos, com mais de 50% das obrigações.
O ministério planeja ainda mudanças na forma de comercialização dos CBios. A Pasta acatou demanda das distribuidoras e pretende estipular um prazo para a venda dos CBios após a escrituração. Segundo a proposta, a medida evitaria manipulação de mercado ao inibir a retenção da oferta por parte dos produtores. Também se pretende colocar o mercado de CBios sob supervisão da Comissão de Valores Mobiliários (CVM).
O Valor apurou que alguns itens do plano estavam em um “cardápio de propostas” que Instituto Brasileiro de Petróleo e Gás (IBP), Vibra e Ipiranga apresentaram ao ministro de Minas e Energia, Adolfo Sachsida, em 12 de julho. Uma delas é o prazo de venda de CBios.
Diretora de downstream do IBP, Valéria Lima defendeu que estabelecer esse prazo cria uma “simetria de obrigações” em relação à parte que é obrigada a comprar os ativos a cada ano. Ela disse que vê “como bastante positiva” a atitude do governo de adotar o que considera como “melhorias no programa”.
Fonte: Valor Econômico