A Conferência sobre Navegação Verde na América Latina vai marcar uma mudança na postura do Brasil sobre a descarbonização do setor, com uma defesa mais ativa do uso do etanol como combustível marítimo. A reunião regional é organizada pela Organização Marítima Internacional (IMO, na sigla em inglês) e ocorre no Chile nesta segunda-feira (28) e terça-feira (29).
A defesa do uso de biocombustíveis como alternativa ao bunker para a descarbonização da navegação ocorre depois que os estados-membros da IMO concordaram em adotar a meta comum de chegar a emissões líquidas zero até 2050, em acordo durante a reunião do Comitê de Proteção do Meio Ambiente Marinho (MEPC 80), em julho.
O uso do etanol como solução para a descarbonização marítima também ganha força no contexto em que a IMO passa a levar em consideração o ciclo de vida do combustível, desde o início da produção até o tanque do navio, na contabilização de emissões de carbono.
Europeus preferem hidrogênio
Entretanto, há ressalvas, sobretudo pelos países europeus, que evocam receios a respeito de insegurança alimentar na produção de biocombustíveis. Os europeus têm priorizado soluções baseadas em eletrificação ou em hidrogênio para a descarbonização marítima, como o metanol.
“O modelo brasileiro tem comprovado que a produção de biocombustíveis sustentáveis alavanca a produção de alimentos, não compete com essa produção. Existe uma integração virtuosa entre a produção de alimentos e energia“, afirma o presidente da consultoria agrícola Datagro, Plínio Nastari.
A Datagro travou conversas sobre aplicações do etanol na navegação com a Representação Permanente do Brasil junto aos Organismos Internacionais em Londres (Rebraslon) ao longo do segundo semestre de 2022. Segundo Nastari, o fato de a infraestrutura existente para o bunker ser facilmente adaptável para o etanol é um dos benefícios da troca.
“Uma alternativa [para a descarbonização do transporte marítimo] é o uso do hidrogênio verde, mas a armazenagem, embarque e distribuição é uma operação cara, não é trivial. Os biocombustíveis representam uma alternativa segura, econômica, prática e eficiente de fazer a mesma coisa”, diz.
China e EUA podem apoiar etanol
Segundo fontes, há disposição da China e dos Estados Unidos em apoiar a defesa do Brasil junto aos organismos internacionais para a adoção de biocombustíveis como alternativa para a redução das emissões marítimas. A reunião da IMO no Chile esta semana é uma oportunidade de articular uma defesa regional sobre o tema.
“O Brasil tem que decidir se quer participar da inovação ou se vai ser um mero comprador do que os europeus decidirem. Temos muitas oportunidades, principalmente na navegação interior e na cabotagem, de usar soluções nacionais”, defende o presidente do Sindicato Nacional dos Oficiais da Marinha Mercante (Sindmar), Carlos Augusto Müller.
O Sindmar é ligado à Federação Internacional de Trabalhadores Marítimos (ITF, na sigla em inglês), que participa de uma força de trabalho junto à IMO para promover uma transição energética justa para os funcionários do setor.
Müller lembra que o tema do uso de outros combustíveis na navegação se torna ainda mais central tendo em vista que o tempo de vida útil de um navio é, em média, de 25 anos, e que a meta do setor é ter as emissões líquidas zeradas em menos de três décadas.
“Navios que nem foram construídos ainda vão ter vida útil dentro desse período em que se buscará reduzir as emissões. O combustível do futuro ainda não está definido e o Brasil tem que atuar para trazer aquilo que tem a oferecer como contribuição”, acrescenta Müller.
Não há navios com motor a etanol
Um desafio, no entanto, é que ainda não existem motores de navios disponíveis no mercado movidos 100% a etanol. A Wärtsilä tem um projeto para adaptar o motor flexível do grupo, que opera movido a bunker, diesel ou metanol, para também aceitar o etanol. O projeto está em fase de testes.
“O etanol é um álcool, tem muita similaridade com o metanol. Enxergamos potencialidades para ser uma alternativa significativa nesse mercado”, diz o gerente sênior de vendas na América Latina da Wärtsilä Marine, Mário Barbosa.
Segundo Barbosa, a principal vantagem do biocombustível é dar flexibilidade aos armadores e operadores, para que possam optar entre o etanol e o metanol como combustível de baixa emissão. O projeto de adaptação do motor nasceu na filial brasileira da companhia finlandesa, a partir de conversas com potenciais clientes e produtores de etanol, e foi acolhido na matriz da empresa, que conduz os testes.
Um dos desafios está relacionado ao poder calorífico do etanol, que é maior do que o do metanol.
“O etanol é um combustível que as pessoas conhecem, está no DNA brasileiro. Há décadas entendemos os benefícios que ele traz para a descarbonização e os desafios tecnológicos e logísticos do motor a combustão. Temos clientes interessados e estamos trabalhando, com a perspectiva de materializar contratos em breve”, afirma o executivo da Wärtsilä.
Fonte: Agência epbr
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