As incertezas sobre as políticas de equilíbrio fiscal do governo Lula, sobre os preços da Petrobras e os tributos sobre combustíveis, além das dúvidas sobre o rumo do dólar, mantêm as usinas de cana em clima de suspense, mesmo faltando apenas três meses para a nova safra (2023/24). Como a tendência é que esses fatores tenham impacto mais imediato sobre o mercado de etanol, as empresas dão sinais de que pretendem adotar o açúcar como um “porto seguro” e priorizar a produção do adoçante.
Willian Hernandes, sócio da consultoria FG/A, diz que há até usinas considerando investir em fábrica para garantir mais capacidade já no próximo ciclo, se necessário. “Essa indecisão [política] é ruim para as decisões [empresariais]. Nesse cenário de tributos, fazer ajustes para elevar a produção de açúcar é iminente”, afirmou.
Um investimento desses, porém, só leva a aumento de produção em no mínimo seis meses. Isso significa que se uma decisão for tomada agora, ela só terá reflexos a partir de julho, avalia Ricardo Pinto, sócio da consultoria RPA.
Para os analistas, o mais provável é que as usinas aumentem o direcionamento da cana para suas fábricas de açúcar. Na avaliação da Dedini, que fornece equipamentos e máquinas para fábricas de açúcar e etanol, haveria espaço para aumentar o mix açucareiro de forma expressiva.
Nas últimas três safras, o mix açucareiro oscilou próximo das máximas históricas, de 45%, mas haveria espaço para alcançar 65% no parque instalado hoje, estima Sérgio Leme, vice-presidente da Dedini. “O aumento da produção se faz com capacidade já instalada, dada a flexibilidade de produzir açúcar ou etanol que muitas das usinas brasileiras possuem”, disse.
O recorde de produção de açúcar no Centro-Sul foi de 38 milhões de toneladas na safra 2020/21, quando a pandemia estourou, atingindo em cheio o mercado de combustíveis. Na ocasião, as usinas direcionaram toda sua carga para o açúcar. As duas safras seguintes foram abaladas por seca e geadas, mas a expectativa agora é de retomada da colheita em 2023/24.
O clima de incerteza cresceu depois que o governo publicou a MP 1.157/2023, que postergou por dois meses a desoneração dos combustíveis. Embora o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, tenha previsto na última semana o retorno dos impostos federais em março, ele indicou que a decisão será política.
Não se sabe se, portanto, se o etanol voltará a ter o diferencial de alíquota em relação à gasolina que havia antes das mudanças tributárias – conforme prevê emenda constitucional aprovada no ano passado – nem qual será o nível de controle dos preços da gasolina pela Petrobras, ou mesmo se haverá controle, quando Jean Paul Prates assumir o comando da estatal.
O receio das usinas é de uma reedição do que ocorreu no governo Dilma, quando os preços domésticos da gasolina foram mantidos muito abaixo dos níveis globais, e o etanol hidratado não conseguiu competir nas bombas. Isso afetou até o mercado de açúcar, já que as usinas deram preferência à produção do adoçante.
Um executivo de uma das maiores empresas do setor, porém, afirmou ao Valor, sob reserva, que pode haver uma intermediação com a proposta de Prates de uma conta estabilizadora de preços. Mas a alternativa ainda guarda incertezas e deve demorar a se consolidar, mantendo um cenário inseguro nos primeiros meses da safra.
As usinas ainda estão estudando se entram com uma ação contra a União no caso da prorrogação da isenção fiscal, mas a normalização da política tributária também não deve mudar o cenário. “Mesmo que haja o retorno dos impostos sobre a gasolina, dificilmente o preço do etanol vai ficar maior que açúcar“, disse Tiago Medeiros, diretor da trading Czarnikow.
A incerteza também está provocando cautela nas operações de hedge, que estão dentro do ritmo histórico de fixação para esta época do ano. Das exportações de açúcar da próxima safra acertadas com a Czarnikow, 65% estão com preço definido. Para a safra 2024/25, a fatia é de 10%.
“O hedge, por mais que seja uma proteção, gera incertezas relacionadas ao custo, ao retorno total do negócio, considerando um cenário de etanol talvez menos interessante com um controle de preços da Petrobras. O resultado é a inação”, avaliou Medeiros.
Fonte: Valor Econômico
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