Muito já foi conquistado em relação à posição da mulher no mercado de trabalho, o que inclui o setor de agronegócio. Mas ainda há um longo caminho a ser percorrido, afinal, a parcela feminina ainda é a minoria, principalmente na agropecuária.
Essa reflexão foi trazida pela gestora de consultoria estratégica da Datagro, Lívia Kosaka, que mediou um painel especial em celebração ao Dia Internacional da Mulher durante o evento de abertura de safra da consultoria, realizado em 8 de março.
A palestra foi conduzida pela sócia-líder de diversidade, equidade e inclusão da Deloitte, Ângela Castro. Ela trouxe os resultados de uma pesquisa realizada em 2022, que traçou o contexto atual da presença da mulher no agronegócio, apontando os atuais desafios e as expectativas para o futuro.
Ela explica que a pesquisa traz um quadro completo, mas que foi realizado um recorte para o evento, voltado para a participação da mulher no agronegócio. Assim, Castro ressaltou três pontos:
- O principal motivador para que as mulheres atuem no agronegócio é a própria afinidade com o setor.
- As principais adversidades estão relacionadas a atitudes de gestores, que tendem a acentuar questões de gênero.
- A conciliação entre a carreira profissional e os interesses pessoais configura um dos entraves centrais para a atuação da mulher no agronegócio.
De acordo com a executiva, a pesquisa foi realizada entre agosto e setembro do ano passado e contou com a participação de 63 organizações, sendo 21% delas multinacionais e 10% listadas na bolsa de valores brasileira (B3).
Em relação ao perfil das respondentes, Castro conta que há pessoas jovens e maduras, com idades variando em sua maioria entre 30 e 50 anos. Além disso, mais da metade das entrevistadas, 52%, fazia parte de empresas familiares. Destas, 63% mulheres ocupavam cargos executivos.
Principais resultados
Entre as mulheres que responderam a pesquisa, a maioria, ou 25%, fazia parte dos times de coordenação ou supervisão. Além disso, 9% se encontravam em posições de presidência ou CEO das companhias.
As áreas com maior participação feminina eram de planejamento e estratégia, e também de comunicação e marketing. Apenas 2% das entrevistadas afirmaram atuar em setores de risco e governança, com a mesma quantidade em diversidade e inclusão.
“Existe o desafio de trazer uma área estruturada de diversidade para as empresas do agronegócio”, conclui Castro.
Ela também retoma que a participação feminina no mercado de trabalho formal é pequena. Isso também é evidente na agropecuária, que conta com apenas 223 mil mulheres, ou 0,5% do total de trabalhadores formais do país, conforme os dados apresentados.
Considerando 21 setores da economia, o que possui a maior parcela de participação feminina, com 75%, é em área de saúde humana e serviços sociais. Na lista, o agronegócio aparece em 19º lugar, com apenas 16,2%, ficando acima apenas das áreas de indústrias extrativistas e construção.
Além da pouca representatividade, Castro ainda salienta que, em todos os setores, “a participação da mulher vai se reduzindo de forma significativa à medida que ela vai avançando na carreira”.
Motivadores
Entre as principais razões para que as mulheres decidam atuar no agronegócio, as que aparecem com maior destaque, de acordo com Castro, são: maior oportunidade de carreira e afinidade com o setor. Ela acredita que o setor tem grande potencial, sendo uma das indústrias mais aquecidas, o que pode trazer mais possibilidades.
A existência de referências femininas em cargos de destaque é uma das justificativas com a menor porcentagem de resposta na pesquisa. Castro aponta que isso é causado justamente pela baixa visibilidade atual.
Ela ainda explica que, durante a pesquisa, foi verificado que as referências são muito importantes para as mais jovens, que se sentem inspiradas ao encontrar representatividade em outras mulheres.
Castro compartilhou o depoimento de uma entrevistada, que afirmou que o agro “é um oceano de oportunidades” e que, por isso, deveria ser mais profissionalizado e comunicar melhor sobre as diversas carreiras oferecidas.
O impasse, entretanto, é o fato de que boa parte das opções existentes são historicamente consideradas masculinas. Devido a esta falta de representatividade, segundo Castro, “as mulheres não conseguem enxergar a oportunidade de atuar nesse processo”.
Principais desafios
As mulheres ainda encontram muitos obstáculos a serem contornados no mercado de trabalho formal geral, o que também se observa dentro do agronegócio.
No que se refere a remuneração, ainda há uma diferença média entre gêneros, de acordo com um estudo do Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged) de 2020. No trabalho formal como um todo, as mulheres recebem, em média, um salário 12% menor do que os homens. No agronegócio, esse percentual sobe para 18%.
Além disso, Castro aponta que as mulheres têm um nível de escolaridade acima dos homens, mas 48% delas sentem que sofrem algum tipo de discriminação intelectual em seus trabalhos.
Ainda segundo o Caged, no mercado de trabalho total, 30% das mulheres brasileiras possuem ensino superior completo, contra 16% dos homens. Dentro do agronegócio, esse percentual passa para 9% entre as mulheres e 3% entre homens.
Outro ponto levantado por Castro é em relação ao questionamento sobre a capacidade física. Na pesquisa, 38% das entrevistadas afirmaram sofrer com esse tipo de indagação no trabalho.
Além disso, 24% das respondentes afirmam que as mulheres deveriam ter maior participação nas associações e entidades do agronegócio. Castro questiona: “Se o número de participação das mulheres está crescendo, qual apoio existe em associações de forma geral?”.
A pesquisadora indica que, entre os principais motivos que levam à baixa adesão do público feminino em cargos de diretoria em associações do agronegócio, está justamente o baixo número de mulheres em cargo de liderança. Ela ainda destaca a falta de políticas e processos que incentivem a inclusão feminina, além do fato de as mulheres não se sentirem escutadas nas reuniões das associações.
De acordo com a pesquisa, as mulheres consideram que grande parte dos desafios e preconceitos por questões de gênero acontecem por gestores e líderes (50%), seguido por colegas de trabalho (38%) e, até mesmo, pelos próprios clientes (26%). Também foram citados problemas vindos de subordinados e de colegas de trabalho do gênero feminino.
Perspectivas de mudança
Para alterar este cenário, Castro afirma que 76% das respondentes querem uma mudança na cultura organizacional das companhias. Também foi mencionado, por mais da metade das participantes, a importância de implementar políticas de gestão inclusiva, além de programas de apoio para conciliar trabalho e responsabilidades sociais, de desenvolvimento da carreira e treinamentos relacionados a diversidade e inclusão.
Essas transformações podem incentivar e inspirar mulheres a atingir cargos de liderança. “A mudança na cultura é fundamental para vencer os desafios de disparidade de gênero”, arremata Castro.
Lívia Kosaka, da Datagro, indica que, mesmo no evento promovido pela consultoria, a participação das mulheres era baixa, com cerca de 25% de participação em cada painel; mas os dados apresentados por Castro demonstram que, na realidade, essa parcela é ainda menor.
Enquanto a consultora destaca a dificuldade de atrair mulheres para este mercado de trabalho, Castro informa que a grande questão por trás desta mudança seria quebrar a forma como as coisas têm sido feitas: “Estamos olhando tudo como sempre olhamos, seguindo o que está acontecendo, por isso temos esse quadro hoje”.
De acordo com ela, é importante analisar a estrutura, quebrar padrões e trazer métricas, mudando processos. “Fazer diferente significa olhar para o processo de contratação, onde estou contratando, como estou contratando, qual a linguagem que estou usando e, depois, de que forma eu estou incluindo de fato”, indica.
Indo além da contratação, Castro informa que é preciso analisar a jornada das profissionais dentro da empresa, observando se existe um desenvolvimento igualitário.
Entre os benefícios para as empresas em investir no recrutamento feminino, Castro aponta que as mulheres podem trazer uma perspectiva diferente, uma visão de alguém que teve suas próprias experiências e vivências, contribuindo com muito esforço, trabalho e estudo.
“Para promover a mudança, é fundamental uma conscientização política, social e nos nossos negócios também”, finaliza.
Fonte: Giully Regina – NovaCana
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